Apenas 13,5% dos profissionais de segurança pública são mulheres, diz especialista


No Brasil, as mulheres estão sub-representadas nas organizações policiais. Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse é um obstáculo extra à priorização da agenda de enfrentamento à violência de gênero por parte dessas instituições. “Nas Polícias Civis, há alguns avanços nessa área e 26% do efetivo é formado por mulheres. No caso das Polícias Militares, o desafio é imenso”, disse.
De acordo com ela, o Brasil conta com 642 mil profissionais de segurança pública. Desses, 13,5% são mulheres. “Nas Polícias Militares, a média de profissionais do sexo feminino é de 9,8%, mas em alguns estados a presença de mulheres nas organizações policiais não passa de 5%, como no Rio Grande do Norte e no Ceará. Até hoje, as Polícias Militares de diversos estados têm leis com cotas que limitam o ingresso de mulheres nas corporações. Ou seja, não estamos falando de cotas que garantam o ingresso das mulheres, mas o contrário”, afirmou.
Para falarmos sobre a presença das mulheres e a ascensão delas nas organizações policiais, conversamos com Samira Bueno. Confira a entrevista!
MM360: Quais são os maiores desafios para a ascensão das mulheres a cargos de comando?
Samira: As organizações policiais são espaços majoritariamente masculinos em que ainda prevalece a visão de que o papel do policial é prender bandido e, consequentemente, que essa é uma função eminentemente masculina. Assim como acontece em outras carreiras, vigora a ideia de que a mulher não pode desempenhar as mesmas funções que os homens e, portanto, não serve para o trabalho operacional. Para o trabalho na rua, o senso comum vai dizer que a mulher não tem a força física necessária. Mesmo assumindo que as mulheres, em média, estão em desvantagem em relação à força física masculina – e é importante enfatizar aqui a expressão “em média” – há uma série de outras habilidades tão ou mais importantes para esse tipo de trabalho, relacionadas a capacidades de avaliar cenários e riscos, interagir com a população, tomar decisões e exercer liderança. Muita ciência se produziu no século passado dizendo que homens e mulheres têm capacidades específicas nesse sentido, mas esses estudos estão enviesados pelo olhar do período em que foram produzidos. Se eu tenho um conjunto de pré-requisitos para um tipo de trabalho eu não tenho que selecionar pessoas pelo gênero, com base naquilo que eu acredito que sejam as características médias do conjunto da população. Eu tenho sim que avaliar os indivíduos e, a partir daí, escolher aqueles que têm o perfil adequado. Mas essas ideias generalistas, embora sejam usadas mais facilmente para justificar a maior presença de homens no policiamento ostensivo, sobem toda a cadeia de comando da polícia militar. Este é um grande obstáculo à ascensão das mulheres nas carreiras policiais, tanto que raramente vemos mulheres ocupando posições de comando como Coronel ou Tenente-Coronel.
MM360: Atualmente há organizações que trabalham com iniciativas que façam esse tipo de trabalho?
Samira: O Fórum Brasileiro de Segurança Pública tem trabalhado este tema com as polícias a partir da produção de dados e análises e promovendo debates sobre o tema. Em uma pesquisa, realizada em parceria com a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, entrevistamos mais de 13 mil policiais de todo o país sobre as relações de gênero nas instituições policiais. O resultado mostrou um quadro desafiador em relação às discriminações sofridas pelas mulheres, um alto número de assédios e a inexistência de canais de denúncia ou de ouvidorias para solucionar esses casos. Sabemos, também por dados de pesquisa, que a maior parte do efetivo das duas polícias, homens e mulheres, acreditam que as polícias precisam mudar e modificar suas práticas. E conhecemos pessoalmente uma parcela considerável de lideranças nas várias corporações policiais que, mesmo com grande quantidade de opiniões divergentes em uma série de assuntos, estão mais alinhados no que diz respeito às necessidades de enfrentar as condições de desigualdade de sexo e gênero. Mas se a cultura patriarcal está presente na sociedade de forma transversal, nas corporações elas se complicam pelo componente da disputa política corporativa. Se eu sou uma mulher oficial, com quem eu vou me alinhar politicamente? Com as praças ou com os outros oficiais de ambos os sexos? Se as barreiras para as mulheres já existem, imagine para uma mulher que discute gênero?
MM360: Quais são os maiores desafios para a entrada dessas mulheres nas organizações policiais?
Samira: Muitos estados ainda possuem legislações que limitam o ingresso de mulheres nas organizações policias. No Distrito Federal e no Piauí, por exemplo, o teto é de 10%; em Santa Catarina de 6%. Recentemente, a Guarda Civil Municipal de São Paulo abriu concurso com número desproporcional de vagas para homens e mulheres e limitou o número de vagas disponíveis para mulheres em 30%, o que fere o princípio de isonomia. Mas a legislação municipal prevê que no máximo 30% do quadro de servidores seja composto por mulheres e, portanto, o concurso seguiu normalmente. Então, as legislações locais criam e garantem a manutenção dessas excrecências nos editais para ingresso nas corporações policiais, ainda que absolutamente questionáveis do ponto de vista legal.
MM360: O assédio afasta a entrada das mulheres nas organizações policiais?
Samira: Certamente. E isto é algo para o qual as instituições policiais têm tentado dar respostas. Após a pesquisa que realizamos sobre as relações de gênero nas organizações policiais um Grupo de Trabalho foi criado no âmbito da Secretaria Nacional de Segurança Pública para refletir e propor soluções para esses casos. Acho que chegamos a um ponto de não retorno e as mulheres não vão mais tolerar abusos e assédios.
MM360: Em relação ao salário nas organizações policiais: homens e mulheres estão em igualdade?
Samira: Sim, porque estamos falando de cargos públicos. Temos os mesmos salários para os mesmos cargos. O problema aqui é a ascensão das mulheres, que acontece em um ritmo diferente dos homens. Ainda faz parte do cotidiano destas organizações a crença de que as mulheres não servem para o trabalho operacional, ou que deveriam ser destacadas apenas para funções administrativas. Como resultado, os comandos das polícias são majoritariamente ocupados por homens.