Mães têm 20% menos chance de estarem empregadas do que pais após o nascimento de um filho
Um estudo produzido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) revelou que ser mãe prejudica a inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro mesmo dez anos após o nascimento do primeiro filho.
A pesquisa “Ser Mãe é Padecer no Paraíso? Penalidades do Trabalho de Cuidados nas Trajetórias Laborais de Mulheres com Filhos na Primeira Infância” aponta que as mulheres têm, em média, 20% menos chance de estarem trabalhando do que os pais após o nascimento da criança. E a situação se agrava nos casos de famílias de maior vulnerabilidade econômica.
Este efeito é mais intenso no primeiro ano após o nascimento da criança, quando a penalidade materna chega a 27%, e continua incidindo por dez anos, quando chega a 13%.
Outro aspecto relevante é que a renda habitual das profissionais que são mães também é, em média, 24% menor que a dos homens. Este resultado indica não apenas uma menor chance de estar empregada, mas também de trabalhar menos horas (7%) e também da probabilidade de uma ocupação informal, sem carteira assinada (13%).
O trabalho do MDS reproduz, mas usando base de dados diferente, a metodologia criada para o “Atlas da Penalidade Materna”, que calcula a penalidade materna em 134 países. Nele, pesquisadores da Universidade de Princeton e da London School of Economics (LSE) indicam que mães brasileiras são, em média, 37% mais afetadas do que pais em termos da probabilidade de estarem trabalhando nos dez anos seguintes ao nascimento do primeiro filho. São resultados com proporções diferentes, mas apontam na mesma direção.
Os autores do MDS também fizeram um recorte para famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo, o público-alvo do Cadastro Único. Para este grupo, a penalidade materna em termos de renda habitual é maior, de 28%. Esse, avaliam, é fruto da combinação de taxas médias de ocupação e informalidade maiores que o da população geral – 24% e 14%, respectivamente.
A pesquisa joga luz sobre desigualdade de gênero na distribuição das tarefas de cuidado nas famílias brasileiras, afirma Joana Costa, diretora do Departamento de Monitoramento e Avaliação do MDS e uma das autoras do estudo.
“Os resultados mostram que a penalidade que o pai observa depois do nascimento do primeiro filho é praticamente nenhuma”, diz a pesquisadora.
São indícios que aparecem em outros estudos e pesquisas, acrescenta. Uma pergunta inserida no próprio questionário da Pnad Contínua de 2022 questionou os participantes sobre qual o principal motivo para não procurar trabalho.
- Para 17% das mulheres entre 18 e 59 anos, a resposta foi a necessidade de cuidar dos filhos, parentes ou afazeres domésticos;
- Entre mães com filhos até 6 anos, essa porcentagem sobe a 31% e, entre aquelas que são parte de famílias com renda per capita igual ou menor que meio salário mínimo, chega a 45%;
- Ao mesmo tempo, apenas 1% dos homens apontou esse fator em todos os recortes.
Joana também chama atenção para a probabilidade da mulher estar empregada no setor informal aumentar após a primeira criança. “A flexibilidade de horário acaba ajudando a conciliar os afazeres domésticos. Mas isto traz um problema para a trajetória da mulher no mercado de trabalho. Muitos estudos têm alertado para o chamado efeito cicatriz: a forma como a inserção no mercado se dá afeta a trajetória pelo resto da vida. Por mais que o trabalho de cuidado diminua com o crescimento do filho, será mais difícil, para ela, voltar a ter emprego formal e conseguir salários mais altos.”
O estudo sobre penalidade materna faz parte de um caderno de estudos lançado pela Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único (Sagicad) com olhar específico sobre a primeira infância. “Ele reforça a importância de se pensar no binômio mãe-criança quando tratamos do tema. Bebês nascem iguais, mas precisam ter cuidados iguais para se desenvolverem”, diz Mariana Luz, presidente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Ela nota que, em outro estudo sobre o perfil da primeira infância entre famílias do CadÚnico, pesquisadores mostraram que três em cada quatro famílias são lideradas por mães solo, em sua maioria pretas e pardas e sem fonte de renda fixa.
“Ajudar a tirar essa criança da situação de vulnerabilidade também tem a ver com olhar a vulnerabilidade da mãe, a questão da equidade de gênero e inserção da mulher no mercado de trabalho”, diz.
Para Luana Simões Pinheiro, diretora de Economia do Cuidado da Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família, os estudos deixam evidente que o impacto é agravado no caso de famílias de baixa renda porque também têm menor capacidade de terceirizar essas tarefas para outras pessoas.
“Com o envelhecimento da população, essa penalidade deixará de ser, cada vez mais, só em função da criança e passará a ser também em função do cuidado com os idosos”, alerta. “Isso significa um impacto cada vez mais persistente, que continuará tirando da força de trabalho uma parcela mais qualificada que a dos homens, já que mulheres têm escolaridade maior.”
Após o lançamento, no ano passado, do Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados, o MDS deve entregar nos próximos meses a proposta para a Política Nacional de Cuidados. Segundo Luana, a ideia é trazer a tarefa de cuidados, hoje uma responsabilidade que recai sobretudo para as famílias, em especial para as mulheres, para dentro do governo.
“Vamos começar organizando ações voltadas à primeira infância, aos idosos e deficientes. Isso envolve também pensar em trabalhadoras e trabalhadores de cuidado, tanto remunerado como não remunerado”, diz.
Entre ideias recebidas e discutidas dentro do grupo de trabalho, que reuniu 20 ministérios, estão a ampliação de creches, da escola em tempo integral e também de espaços para atender mães e pais que trabalham no período noturno ou nos fins de semana, acrescenta Pinheiro.
“A gente sempre fala de educação e creche, mas vale lembrar que a solução precisa ser multissetorial. Vale lembrar do papel do Bolsa Família, que reduz a pobreza imediata das famílias, ou do acesso à Justiça, já que a violência doméstica é um dos principais fatores que levam a famílias com mãe solo”, acrescenta Mariana, da FMCSV.
Com informações de Valor Econômico
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