Cuidado com esses 3 vieses de gênero nas avaliações de desempenho
Como as mulheres continuam a arcar com a maior parte do fardo de serem cuidadoras, muitas se beneficiaram da flexibilidade do trabalho híbrido e remoto, o que lhes permitiu permanecer no trabalho em tempo integral e passar mais tempo em casa. Em teoria, isso é uma boa notícia, porque colaboradores em tempo integral tendem a ser promovidos com mais frequência e dispensados com menos frequência – mas na prática não é isso que está acontecendo. Por quê? Porque quando as mulheres aproveitam as opções de trabalho híbrido e remoto hoje em dia, elas ficam sujeitas a preconceitos que se insinuam no processo de avaliação de desempenho e fazem com que sejam julgadas injustamente.
A pesquisadora Paola Cecchi-Dimeglio testemunhou esse problema em primeira mão durante um projeto de consultoria para uma empresa global com centenas de milhares de colaboradores no mundo todo. Durante o projeto, que ocorreu quando a empresa estava passando por uma grande reorganização, ela se reportava ao CEO, ao executivo e ao conselho. Com o apoio desse grupo, reuniu e analisou dados sobre avaliações de desempenho feitas em um ambiente de trabalho híbrido (pré e pós-pandemia) e, nesse contexto, identificou três tipos específicos de vieses que prejudicavam as mulheres e suas perspectivas de carreira.
Viés de experiência
O primeiro viés observado foi o viés de experiência, que é supervalorizar tarefas fáceis de definir.
Paola descobriu que essa forma de viés prevalecia nas avaliações de desempenho da organização onde, devido à reorganização, muitas pessoas foram forçadas a suspender o trabalho de rotina. Durante esse período, lideranças julgaram as equipes pela maneira como escolheram reorientar suas energias. Os homens, em geral, escolheram trabalhos muito mais fáceis de reconhecer. Eles passaram mais tempo em tarefas externas altamente visíveis, como falar em conferências do setor e dar entrevistas a jornalistas e podcasters, por exemplo. Essas tarefas eram fáceis de avaliar quando se tratava de medidas de sucesso de curto prazo. Enquanto isso, as mulheres passaram mais tempo em tarefas internas muito menos visíveis, como aumentar a coesão da equipe para ajudar a colocar os projetos de volta nos trilhos e fornecer espaços psicologicamente seguros para as pessoas fazerem perguntas e processarem elementos da reorganização que estava ocorrendo na empresa. Essas tarefas tinham cronogramas mais longos e eram mais difíceis de avaliar no curto prazo.
Essas escolhas criaram o viés. É fácil entender, por exemplo, como alguém que se apresentou em uma grande conferência (provavelmente um homem) pode ter fornecido imediatamente um benefício mensurável para a empresa. Na verdade, os homens eram três vezes mais propensos do que as mulheres a falar em eventos externos. Mas quão fácil é medir e avaliar o trabalho que alguém (provavelmente uma mulher) começou a fazer em um esforço de longo prazo para reparar a dinâmica da equipe ou prevenir problemas profundamente enraizados que podem afetar centenas ou milhares de colaboradores? Desnecessário dizer que, dada a natureza do viés de experiência, as lideranças da empresa elogiavam os homens com mais regularidade em suas avaliações de desempenho por terem sido bem-sucedidos em seu trabalho. Mais especificamente, os homens que avaliaram outros homens os avaliaram 12% mais do que as mulheres, em média, em comparação com quando as mulheres avaliaram homens e outras mulheres.
Com o apoio da liderança, Paola testou várias intervenções destinadas a ajudar as lideranças da empresa a corrigir esse viés. Embora algumas intervenções tenham falhado, duas tiveram uma chance estatisticamente significativa de reduzir os vieses nessa companhia.
A primeira foi para os gerentes ajudarem colaboradores a definir metas individualizadas com métricas personalizadas e, em seguida, pedir que monitorassem o que tinham feito todas as semanas – e para fazer isso em um quadro virtual que o restante da equipe e diretores da cadeia pudessem acompanhar. Dessa forma, as pessoas que contribuíram para resultados menos facilmente definidos, como a coesão da equipe, ainda poderiam apontar para um registro de seus esforços ao longo do tempo para que as pessoas pudessem testemunhar. Este quadro branco pode registrar trabalhos importantes, mesmo que não sejam facilmente descritos em termos de metas e métricas tradicionais. Isso foi útil na hora da revisão de desempenho. Mesmo que as pessoas não tivessem alcançado as metas estabelecidas em sua última avaliação de desempenho, ainda havia um registro de todos os esforços e conquistas, o que, de acordo com os resultados pós-pesquisa, ajudou avaliadores a entender melhor o valor do trabalho interno mais ambíguo que (principalmente) as mulheres estavam realizando.
O segundo foi projetado para ajudar as equipes a descrever melhor seus próprios esforços. No início da semana, para cada projeto em que trabalhavam, as pessoas eram solicitadas a fornecer duas estimativas diferentes em seu quadro virtual: quanto tempo cada tarefa levaria para ser concluída e seu nível de dificuldade (alta, média ou baixa). Por exemplo, uma pessoa pode identificar os três projetos nos quais está trabalhando durante a semana e alocar o tempo que planeja gastar em cada um, com base no tipo de tarefa e na dificuldade estimada. Ao final de cada semana, foi solicitado a elas revisar suas estimativas, observar como seu tempo foi realmente alocado e o quão difícil a tarefa acabou sendo, e refletir sobre os motivos das diferenças entre suas previsões e a realidade. Essa prática permitiu que todo mundo revisasse suas previsões registradas, refletisse sobre o que o registro mostrava em comparação com suas percepções e ajustasse suas capacidades.
Inicialmente, os dados mostraram que as mulheres eram mais precisas em suas estimativas do tempo que uma tarefa levaria, embora muitas vezes superestimassem a dificuldade das tarefas. Enquanto isso, os homens subestimam tanto o tempo que uma tarefa levaria quanto sua dificuldade. Após a intervenção, a probabilidade de as mulheres identificarem com precisão a dificuldade da tarefa aumentou em um fator de 28%, enquanto os homens tiveram 12,5 vezes mais chances de fazê-lo. Além disso, os homens tornaram-se 7 vezes mais propensos a estimar com precisão o tempo necessário para uma tarefa, enquanto não houve diferença significativa nesse aspecto para as mulheres.
Viés de proximidade
Outra forma de viés que foi observado, foi o viés de proximidade, ou a tendência de pensar que as pessoas que estão ao seu redor fazem o trabalho mais importante. Um ambiente de trabalho híbrido exacerba esse viés e estava penalizando as mulheres na organização, onde os homens eram mais propensos do que elas a ir presencialmente para o escritório. As lideranças tendiam a expressar ceticismo, ou pelo menos confusão, sobre o que as mulheres faziam quando trabalhavam remotamente, enquanto tendiam a dar aos homens o benefício da dúvida e presumir que eles eram mais focados e produtivos.
Mesmo quando as mulheres iam para o escritório com a mesma frequência que os homens, as lideranças atribuíam a elas níveis de desempenho estatisticamente significativos 3% abaixo dos que atribuíam aos homens. E quando as mulheres iam para o escritório mais vezes do que os homens, as lideranças pareciam acreditar que estavam fazendo isso apenas porque estavam cuidando de si mesmas e queriam “ter um lugar à mesa” para defender sua posição na reorganização da empresa. Por outro lado, quando os homens chegavam ao cargo acima da média, eram vistos como líderes fortes.
Para resolver esse problema de viés de proximidade, Paola aplicou uma pesquisa para avaliar as preferências das pessoas dentre várias opções: mais reuniões online, um “dia âncora” quando todos deveriam estar no escritório, ou mais oportunidades externas de formação de equipes. A preferência era que a empresa criasse um dia âncora, o que foi feito. Essa intervenção levou a uma queda estatisticamente significativa no viés de proximidade que foi observada no ciclo seguinte de avaliação de desempenho. Além de as pessoas postarem seus projetos atuais em um quadro virtual todas as semanas, as equipes também foram convidadas a realizar reuniões semanais durante as quais discutiram três conquistas da semana anterior, suas metas para a semana atual e três desafios que enfrentam ao tentar alcançá-las. Ao chamar atenção mais igualitária para o trabalho que todos estavam fazendo, não importa onde o fizessem, essas reuniões ajudaram a empresa a resistir ao viés de proximidade.
Viés dentro/fora do grupo
A terceira forma de viés que estava se destacando nas avaliações de desempenho do trabalho remoto era o viés dentro/fora do grupo, ou dar tratamento preferencial a pessoas que você sente que pertencem a um grupo com o qual se identifica. Não é de surpreender que as pessoas que estavam trabalhando remotamente, e principalmente aquelas que se mudaram do escritório para outros estados, fossem cada vez mais vistos como membros do grupo externo – e tinham pontuações anuais de avaliação de desempenho inferiores em média 20%. Os benefícios seriam acumulados para aquelas no grupo, incluindo promoções verticais, promoções horizontais (oferecendo novas oportunidades para aprender novas habilidades e assumir tarefas mais valorizadas que os posicionaram para promoções verticais) e bônus, como ações acionárias na empresa. Tanto homens quanto mulheres estavam sujeitos a esse tipo de preconceito, mas como os homens tendem a ser vistos mais prontamente como líderes, eles foram mais facilmente capazes de se juntar ao grupo interno do que as mulheres.
Para aumentar o sentimento de pertencimento, a empresa lançou uma campanha denominada coletiva. Um elemento da campanha pedia às pessoas que respondessem a perguntas simples, às vezes tolas, para que as equipes pudessem conhecer os pontos em comum entre eles. Por exemplo, ao fornecer atualizações nas reuniões, os colaboradores também podem ter que responder à pergunta “Cachorro ou gato?” ou “O que está em sua lista de desejos este ano?”.
Perguntas como essas proporcionaram alguns momentos memoráveis que todas as pessoas puderam compartilhar, independentemente de trabalharem no escritório ou remotamente, e permitiram que mais pessoas vivenciassem momentos em grupo.
Surpreendentemente, essa prática levou a um aumento de 14% nos sentimentos de pertencimento ao grupo interno e um aumento de 17% nas percepções de colaboradores de que outras pessoas pertencem ao grupo interno. No momento da avaliação de desempenho, as lideranças também foram solicitadas a lembrar uma coisa que tinham em comum com a pessoa que estavam prestes a avaliar. Descobrimos que essa intervenção simples, que significava que as avaliações começavam a partir de um ponto comum, diminuía a discriminação de gênero nas avaliações de desempenho da empresa em vários pontos percentuais.
Homens e mulheres geralmente vivenciam o local de trabalho de maneira diferente, seja pessoalmente ou virtualmente. Para incluir e apoiar os melhores talentos para a sua empresa em um ambiente dinâmico, é importante analisar com atenção os dados, ter atenção aos três tipos de vieses discutidos neste artigo e identificar práticas que nos levam a supervalorizar os esforços de determinados grupos. Os insights que se obtém ao tomar essas ações não apenas ajudam a tratar as mulheres de maneira mais justa, mas também levam a menos surpresas previsíveis, horas de trabalho mais produtivas e maior eficiência ao levar equipes – e sua empresa – ao sucesso.
Com informações de Harvard Business Review.