“Quando mulheres apoiam mulheres, não há limites que as impeçam de prosperar", dizem executivas do Somos Todas Marias


O mercado de beleza tem se tornado uma alternativa para que mulheres empreendam no Brasil. De acordo com pesquisa encomendada pela Beauty Fair para a Euromonitor International, existem, no Brasil, cerca de 500 mil salões de beleza formais e a perspectiva é que este número cresça 4,5% até 2021.E, se pensar que a informalidade é alta, esse número pode chegar a mais de 1, 1 milhão.
Com o objetivo de oferecer ferramentas para que empreendedoras de beleza das periferias tenham negócios sustentáveis e sejam agentes de impacto social coletivo, sete mulheres se uniram para criar a startup social “Somos Todas Marias”.
“Nosso propósito é contribuir para que essas empreendedoras saiam do ciclo vicioso da escassez para o ciclo virtuoso da abundância. Quando olhamos a realidade do mercado de salões de beleza da periferia no Brasil, identificamos uma potência de transformação social sem igual. Há muita informalidade, mas muita vontade de se profissionalizar”, explicam Ana Maria Drummond e Andreia Vettorazzo.
Para promover igualdade de oportunidades e aumentar a prosperidade das Marias, o Somos Todas Marias atua com cinco frentes – desde a parte fortalecimento emocional, enfrentamento à violência contra a mulher, ferramentas de gestão adequada à realidade delas, acesso ao microcrédito e a produtos comprados diretamente da indústria da beleza.
“Buscamos destravar um potencial que já existe nessas profissionais, sejam elas donas de salão ou autônomas – promovendo autonomia, cooperação em rede apesar de muitas concorrerem entre si. São promovidos novos projetos de vida. Quando uma Maria sonha novamente, ela não mede esforços para prosperar no negócio”, complementam.
Em entrevista ao Movimento Mulher 360, as executivas contam como foi o processo da criação da startup, do projeto piloto iniciado em Poá em 2019, e de que forma as empresas podem apoiar o desenvolvimento das empreendedoras das periferias. Confira.
MM360 – Como surgiu a ideia do Somos Todas Marias?
A ideia surgiu a partir da experiência de duas das idealizadoras ao estudar as teses de impacto do Prof. Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em Bangladesh, um País localizado ao sul da Ásia, a leste da Índia, com mais de 164 milhões de habitantes. Ambas foram a campo em Daca (capital) e mergulharam para conhecer na prática estratégias de negócios para resolver problemas sociais durante quase 40 dias. Quando conheceram a realidade do País, se depararam com muitas similaridades nos índices de pobreza e desigualdade e na importância de fomentar o empreendedorismo como estratégia de transformação social. Uma empreendedora chamou a atenção delas ao transformar seu salão de beleza, localizado na periferia da cidade de Daca, em um hub de impacto social onde mulheres apoiam mulheres a prosperar. Quando olhamos a realidade do mercado de salões de beleza da periferia no Brasil, identificamos uma potência de transformação social sem igual. Há mais salões de beleza no Brasil do que botecos. Há muita informalidade, mas muita vontade de se profissionalizar.
MM360 – Qual a crença que as move nesta iniciativa?
A crença fundamental é de que a mulher é um agente multiplicador de uma transformação pessoal. Ela não pensa somente no seu bem estar e na sua prosperidade. Ela promove desenvolvimento para sua família e sua comunidade. Isto está explícito na agenda global de desenvolvimento (ODS) e nas estratégias dos grandes fundos de fomento ao micro e pequeno empreendedor.
Acreditamos que as donas de salão de beleza das periferias já fazem esse papel. Segundo elas próprias, são psicólogas umas das outras, boas ouvintes e constroem redes de apoio quando fidelizam suas clientes. Elas precisam prosperar para sobreviver, mas, esse potencial só é alcançado quando acreditam em si próprias, valorizam todo o seu entorno. Podemos afirmar que o cuidado com a beleza é um grande instrumento, mas o empoderamento feminino vai muito além disso.
MM360 – Qual é a realidade das mulheres microempreendedoras da área de beleza?
Elas matam literalmente vários leões por dia. São mães, jovens avós, muitas arrimo de família e encontram na área da beleza um caminho para empreender. Aliás, trabalhar por conta é o termo que se utiliza. São guerreiras vulneráveis por conta das circunstâncias, mas muito mais resilientes do que podemos imaginar. São praticamente invisíveis nas pesquisas de mercado tradicional, mas movimentam a economia local e talvez nem se deem conta disso. Se especializam nos seus ofícios dentro do setor de beleza, mas estão presas num ciclo de pobreza agravado pela falta de acesso a preço e condições justas. Não conseguem boas taxas financeiras, acessam produtos de qualidade inferior a preços altos e estão reféns de muitos intermediários que possuem a maximização do lucro e jamais o impacto social, como meta principal.
Pessoas com condições sociais menos favorecidas são obrigadas a pagar mais caro para ter acesso a produtos e empréstimos simplesmente porque não há ferramentas, hoje, disponíveis para avaliação de risco ou que quantifique o potencial desse mercado. Inovamos ao avaliar risco de crédito com dados comportamentais e criar um ecossistema que permita trazer prosperidade para a vida das Marias. Acreditamos na inclusão produtiva como ferramenta para interromper um ciclo de violência, desigualdades e pobreza.
MM360 – Como vocês ajudam as mulheres a desenvolver o lado empreendedor? Quais as ações desenvolvidas?
Nossa teoria da mudança parte da empreendedora como agente de impacto social coletivo, tendo serviços financeiros e a indústria da beleza à serviço da inclusão econômica de mulheres em rede e a jornada de formação como alicerce fundamental. A nossa jornada de formação não é trivial, pois foi construída com elas e para elas. Abordamos temas como autoconhecimento, enfrentamento de diversas formas de violência, igualdade de gênero e racial, finanças conscientes e gestão do negócio. São de 8 a 10 sessões de capacitação de 3 horas, testes de produtos, rodas de conversa para criação coletiva e algumas estão constantemente nos guiando com suas vivências. Estamos calibrando o nosso modelo de negócios tendo a usuária como ponto de partida. Somos uma plataforma de prosperidade para elas, sendo que a equação humana e a escala serão atingidas com o tempo de maturação do nosso modelo de negócios que certamente será replicável.
MM360 – Qual os resultados esperados?
Buscamos destravar um potencial que já existe nas empreendedoras de beleza, sejam elas donas de salão ou autônomas – promovendo autonomia, cooperação em rede, apesar de muitas concorrerem entre si. São promovidos novos projetos de vida. Quando uma Maria sonha novamente, ela não mede esforços para prosperar no negócio. Esperamos evidenciar o que já nos é constatação após investirmos quase 6.000 horas de trabalho em 2019 ouvindo mulheres diversas: quando mulheres apoiam mulheres, não há limites que as impeçam de prosperar.
MM360 – Vocês já têm um case piloto. Como tem sido essa experiência?
Nós estamos no território de Poá, próximo à cidade de São Paulo, desde 2019. Começamos a nossa jornada de formação piloto com um grupo de quase 40 mulheres, em Janeiro de 2020. As próximas etapas incluem a concessão do microcrédito em parceria com uma das maiores cooperativas de crédito do Brasil, e a compra de produtos diretamente da indústria. Os resultados imediatos geram uma evidência de transformação individual e coletiva do grupo. A base do nosso trabalho é a confiança e a transparência. Estamos testando para poder avançar ainda mais no território e em outras regiões com grupos similares. As Marias que já estão conosco são excelentes multiplicadoras. Não há limites se tivermos os parceiros certos em nossa jornada como alavancadores dessa transformação.
MM360 – Como as empresas podem se tornar parceiras?
É possível colaborar em diversas frentes: venda de produtos de beleza a preços justos, doação de produtos de beleza para testes, apoio financeiro para viabilizar a jornada de formação, doação de recursos e horas de voluntariado de colaboradores do negócio para apoiar o Somos Todas Marias a tornar sua jornada de formação escalável. Geração e divulgação de conhecimento sobre o mercado pesquisado utilizando a capilaridade da empresa. Podemos ainda trabalhar em conjunto com a empresa para o desenvolvimento de outras ideias capazes de apoiar o projeto.
MM360 – Qual é o valor agregado que o Somos Todas Marias traz ao seus parceiros investidores?
Podemos dizer que investir no Somos Todas Marias traz oportunidades como ter as Marias como influenciadoras digitais, caso haja identificação com a marca. Traz a possibilidade de logística de acesso à comunidade através do desenvolvimento do distribuidor local gerando capilaridade e fazendo o last mile. Dá acesso ao trade marketing nas comunidades, conhecimento profundo de padrões de consumo e preço das comunidades, além de aprendizados e reputação a partir do modelo de geração de impacto.
Mas o que estamos buscando são empresas-parceiras que compartilham da nossa visão. Acreditamos que a parceria com o Somos Todas Marias pode ser vista como uma oportunidade para as empresas vivenciarem o seu propósito e contribuírem para a construção de um país mais igualitário e justo para todos.