“Ser LGBTI+ não é um estilo de vida, uma opção, mas uma forma de ser e estar no mundo", diz Reinaldo Bulgarelli
No Brasil, hoje, o debate sobre a promoção dos Direitos LGBTI+ nas empresas tem sido uma discussão mais presente. Já em países na Europa e América do Norte o tema está muito mais avançado.
Para entender um pouco mais sobre esse cenário, o Movimento Mulher 360 conversa com um especialista para saber o que falta para que o Brasil alcance essas outras nações, quais são os principais avanços nas organizações comprometidas com o tema, qual a contribuição efetiva das lideranças, além de dicas para o desenvolvimento de projetos nessa área.
Reinaldo Bulgarelli é educador, Secretário Executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e autor do livro Diverso Somos Todos, que fala da valorização, promoção e gestão da diversidade nas organizações. Ele foi membro da UNICEF e recebeu o prêmio África-Brasil, em 2007, pela realização de ações afirmativas no campo das relações raciais e diversidade.
Confira.
MM360 – O que falta para que o Brasil alcance os países europeus e norte americanos no avanço de temas como promoção dos direitos LGBTI+ no mercado de trabalho?
O avanço se deve à inovação nas estratégias de atuação do movimento social que atua na promoção dos direitos LGBTI+, sua capacidade de se articular com outros movimentos que têm pautas semelhantes e de gerar o sentimento de que não faz sentido discriminar as pessoas por sua orientação sexual, identidade de gênero, características biológicas, expressões de gênero e outras práticas de violência relacionadas à diversidade sexual.
O tema saiu do âmbito privado e ganhou o espaço público. Ser LGBTI+ não é uma questão da pessoa, mas da cidadania. Não é um estilo de vida, uma opção, mas uma forma de ser e estar no mundo. No Brasil, dependemos muito do avanço ainda maior do movimento social e da articulação das pessoas em torno desta ideia. Temos a maior Parada do Orgulho LGBTI+ do mundo!
MM360 – Nos conte um pouco mais sobre a atuação do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. Quais são os compromissos das empresas signatárias do Fórum?
O Fórum, como todos os outros, surge da necessidade de acelerarmos o passo em relação a temas da diversidade humana e que têm alto impacto na vida das pessoas, dos negócios e da sociedade. Foi criado em 2013, a partir da minha provocação como consultor, assim como outros que temos no país, mas fez sentido para um grupo inicial de 16 empresas. Hoje temos 84 grandes empresas signatárias. Logo no começo, entendemos que o networking das organizações, a troca rica que acontece, deveria estar a serviço de compromissos, e elaboramos uma carta a ser assinada por presidentes com os 10 Compromissos da Empresa com os Direitos LGBTI+. São eles:
1. Comprometer-se – presidência e executivos – com o respeito e a promoção dos direitos LGBTI+;
2. Promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBTI+;
3. Promover ambiente respeitoso, seguro e saudável para as pessoas LGBTI+;
4. Sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBTI+;
5. Estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade LGBTI+;
6. Promover o respeito aos direitos LGBTI+ na comunicação e marketing;
7. Promover o respeito aos direitos LGBTI+ no planejamento de produtos, serviços e atendimento aos clientes;
8. Promover ações de desenvolvimento profissional de pessoas do segmento LGBTI+;
9. Promover o desenvolvimento econômico e social das pessoas LGBTI+ na cadeia de valor;
10. Promover e apoiar ações em prol dos direitos LGBTI+ na comunidade.
MM360 – Quais são os principais avanços nas empresas comprometidas com o tema, tanto em termos de políticas como em práticas?
No primeiro momento, foi um avanço colocar o tema na agenda dos programas de diversidade e inclusão das empresas. Eram poucas que faziam isso. Eu considero que o engajamento da liderança, presidência e executivos de diferentes áreas, foi um grande avanço.
Em relação às pessoas LGBTI+, tínhamos uma ou duas grandes empresas que possuíam pessoas trans e nem sempre falavam disso. Agora temos várias empresas, ações afirmativas para contratação de pessoas trans, feiras de emprego, enfim, um avanço importante, apesar dos números, já contados em milhares, ainda serem tímidos diante da realidade.
Grande desafio, que se tornou uma das prioridades para 2020, é a questão da carreira. Quando olhamos para as 84 signatárias, não temos nenhum ou nenhuma presidente LGBTI+, assim como são raros no segundo andar e mesmo outras posições de liderança.
Estamos juntos no esforço de respeitar e também promover os direitos LGBTI+, o que implica em realizar ações que transformem realidades como esta da ausência quase absoluta em lugares importantes nas organizações.
MM360 – Como as empresas podem atuar para contribuir na redução e/ou eliminação da discriminação em relação a identidade de gênero e orientação sexual?
As pessoas sensíveis ao tema, por qualquer motivo, precisam se articular dentro da empresa para colocar o assunto na agenda. É importante desenvolver um posicionamento sobre diversidade e inclusão ou incluir no posicionamento a questão LGBTI+.
Disso podem derivar ações centradas no respeito a todas as pessoas, algo que dificilmente sofrerá resistência como ideia. Mas é preciso ir além e falar também em promover os direitos, o que significa não discriminar e criar ambiente aberto, inclusivo, respeitoso, seguro, justo para todas as pessoas. Pode parecer algo simples, mas muitas empresas, por exemplo, não sabem falar do tema no Código de Conduta. A maioria dos Códigos lista as situações que devem merecer atenção e raramente está lá a questão da orientação sexual e identidade de gênero.
MM360 – Qual o papel dos “aliados” ao tema no mundo corporativo? Como eles devem atuar?
Os aliados são grande maioria nas ações de respeito e promoção dos direitos LGBTI+ nas empresas e isso é muito bom. São milhares de pessoas, no âmbito do Fórum, engajadas nessas duas dimensões que falamos: respeitar e promover. A pessoa aliada não é apenas aquela que cumpre com o dever ético de respeitar e não discriminar, mas aquela que promove ações, que se torna visível como aliada usando bottons, cordões, bandeiras, assinaturas de e-mail.
Um dos efeitos disso é que passa a ser procurada por pessoas LGBTI+ ou colaboradores com parentes LGBTI+ para se aconselhar, pedir apoio. Algumas empresas possuem cartilhas ou treinamentos específicos para as aliadas cumprirem melhor esse papel.
MM360 – Quais dicas você dá para empresas que querem começar a desenvolver projetos nessa área?
Reconheça que há profissionais LGBTI+ trabalhando na empresa e/ou aliados da causa do respeito e da promoção de seus direitos. Uma forma é chamar as pessoas interessadas no tema para um diálogo, que pode resultar em ideias de como aprimorar as posturas e práticas da organização.
Sempre sugerimos que as empresas tenham um programa de diversidade e inclusão. Criar grupos de afinidade soltos não parece oferecer resultados e nem parece muito respeitoso com as pessoas e a causa. Grupos ajudam bastante a reunir indivíduos que contribuam para que a empresa melhore o relacionamento com o segmento da população em foco e por isso é importante que estejam articulados a outras instâncias para que sejam efetivamente ouvidos em suas contribuições.
Mesmo sem aderir ao Fórum, é possível utilizar todo o material que está disponível no site. Lá, temos os 10 compromissos, os indicadores de profundidade (para um diagnóstico da empresa no tema) e indicativos de ação (para a elaboração de planos de ação no tema dos direitos LGBTI+ na gestão empresarial). Há também manuais que podem ser muito úteis.
MM360 – Qual contribuição efetiva das lideranças nesta frente de atuação?
O Fórum apostou no engajamento da alta liderança e dos executivos. A liderança quer e pode contribuir, mas precisava de um espaço ou plataforma para expressar compromisso com os direitos LGBTI+ e se desenvolver no entendimento do tema. A liderança pode fazer a diferença no aprimoramento das práticas de gestão para termos empresas sintonizadas com o século XXI, no qual o tema da diversidade sexual está colocado como algo central para as mudanças que estamos vivenciando.
MM360 – Como uma empresa pode se posicionar em relação a essa frente tanto interna quanto externamente?
Vejo as empresas signatárias do Fórum se posicionado muito bem, incluindo a questão LGBTI+ como respeito a ser praticado com todas as pessoas. Elas dão voz a seus colaboradores LGBTI+ e aliados para expressar que estão construindo ambientes e relacionamentos inclusivos, que é prática da empresa respeitar esse grupo e que isso faz parte de seus valores, de sua identidade.
É um tom adequado para as empresas, sem “oba-oba”, posturas oportunistas que não se sustentam depois com críticas. Por isso escutamos a presidência das organizações e elas falam com muita naturalidade do tema no sentido de mostrar interna ou externamente que estranho seria desconsiderar as pessoas LGBTI+ como sujeitas de direitos. No Fórum, temos como propósito colocar em prática o que está dito no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
MM360 – Quais direitos e resultados já conquistados que são importantes listar? E quais ainda precisamos conquistar?
Os direitos LGBTI+ estão inseridos de forma transversal na Lei Maria da Penha, na Lei Brasileira da Inclusão da pessoa com deficiência, no Estatuto da Juventude ou, genericamente, na própria Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo. É uma questão da visibilidade para isso, para que os direitos sejam efetivamente promovidos e garantidos.
Por decisão do STF, temos a questão do casamento civil que, aliás, foi um dos temas importantes na criação do Fórum. Havia empresas que, mesmo depois do casamento civil, ainda diziam que voluntariamente ofereciam planos de saúde para casais do mesmo sexo.
Não é mais questão de escolha, mas uma obrigação. Assim também a questão da adoção, dos filhos, da inclusão da prática de violências LGBTI+fóbicas como crime, nome social, processos transexualizador, proibição da “cura gay”, o ensino sobre diversidade sexual, a retirada de restrição para doação de sangue, entre outros, são conquistas que impactam a gestão empresarial e ajudam no posicionamento das empresas. Elas possuem um papel importante para garantir que as conquistas, que promovem direitos iguais, sejam colocadas em prática. Isso passa por pessoas, lideranças e colaboradores em geral, que compreendem seu papel para termos um mercado corporativo mais sustentável em um mundo sustentável.