"Precisamos dar voz às pessoas com deficiência na sociedade como um todo", diz Andrea Schwarz
Durante o mês de setembro, há diversas datas relacionadas à causa da pessoa com deficiência. No entanto, uma delas, celebrada no dia 21, o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, reforça a importância de discutir o tema não apenas no âmbito social, mas também no mercado de trabalho. Isso porque, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018, profissionais com deficiência ocupam 1,04% das vagas de emprego formal.
Se a equidade de gênero ainda é um desafio dentro do mercado de trabalho, a interseccionalidade se mostra que é ainda mais urgente a necessidade de políticas e ações afirmativas.
Para falar sobre o tema, o Movimento Mulher 360 entrevista a empreendedora social e CEO da iigual inclusão e diversidade, Andrea Schwarz. Ela também foi a primeira pessoa com deficiência a ser eleita LinkedIn Top Voice.
“Quando duas ou mais características de grupos minorizados se sobrepõem, as dificuldades só aumentam. Essa sobreposição e intersecção, que chamamos de interseccionalidade, é um debate de extrema importância para entendermos que todos fazemos parte da diversidade. Não podemos ser apenas uma caixinha ou rótulo. Seja ele PCD, gênero, sexualidade, raça ou idade”, diz Andrea.
Confira.
MM360 – Nos conte um pouco mais sobre o surgimento e a atuação da iigual e o seu papel na empresa.
A iigual surgiu da minha experiência de vida. Ao me tornar cadeirante aos 22 anos, percebi que continuava sendo a mesma Andrea, mas que o mundo não estava preparado para a minha nova necessidade específica de locomoção. Não era mais possível circular livremente com a minha cadeira de rodas, não havia acessibilidade. Entretanto, percebi que esse não era o principal problema, mas sim o novo olhar com o qual as pessoas passaram a me enxergar por conta da minha deficiência. Eu me sentia como a mesma pessoa, mas a sociedade me enxergava de uma forma completamente diferente, me colocando muito mais limitações do que não poder andar. Entendi que, assim como eu, havia outras milhões de pessoas, e que era preciso fazer algo para mudar essa realidade. A partir daí, criei, junto com o meu namorado na época, e que hoje é meu marido e pai dos meus dois filhos, a igual. Uma consultoria focada na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
MM360 – Quais os principais desafios de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, fora o preconceito que a gente sabe que existe? E quando se fala sobre mulheres com deficiência no mundo corporativo?
Não existem líderes com deficiência nas empresas. Esse é o maior desafio. A quase inexistência de representatividade nos cargos com poder de decisão e influência é o principal fator que não permite a inclusão avançar. As contratações de pessoas com deficiência são motivadas em sua maioria pelo cumprimento da legislação de cotas, e elas são encaradas pelas empresas mais como custo do que investimento. Falta enxergar valor nesses profissionais e em tudo o que podem agregar no ambiente de trabalho.
O fato de ser mulher com deficiência só dificulta mais a inclusão. Quando duas ou mais características de grupos minorizados se sobrepõem, as dificuldades só aumentam. Essa sobreposição e intersecção é o que chamamos de interseccionalidade. Esse debate é de extrema importância para entendermos que todos fazemos parte da diversidade e que não podemos ser reduzidas apenas a uma caixinha ou rótulo. Seja ele PCD, gênero, sexualidade, raça ou idade.
MM360 – Sabemos que hoje, no Brasil, o debate sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho tem sido uma discussão mais presente. O que ainda falta para que o País construa essa realidade da inclusão e da diversidade nas empresas?
Enxergar valor nas pessoas com deficiência, e nas habilidades e soft skills que a própria deficiência desenvolve na pessoa. O olhar sobre a pessoa com deficiência ainda está pautado na limitação, naquilo que ela não consegue fazer. Quando deveria estar focado em seus potenciais e nas possibilidades.
Estamos enfrentando a pandemia da Covid-19, por exemplo, e hoje as competências mais valorizadas nos profissionais são capacidade de adaptação, poder de reinvenção, empatia, resiliência e capacidade de inovar fazendo as mesmas coisas de forma diferente. Ou seja, competências que as pessoas com deficiência têm de sobra já que, infelizmente, vivem desde sempre em um mundo que não foi pensado para elas.
MM360 – Você pode compartilhar a sua opinião sobre a lei de cotas de 1991 nas empresas para grupos minorizados? Quais resultados já conquistados que são importantes listar? E quais ainda precisamos conquistar?
A Lei de Cotas é o principal instrumento de contratação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, e sou super favorável a ele. Por meio dela, hoje temos quase meio milhão de pessoas com deficiência empregadas em grandes empresas no mercado formal de trabalho. Entretanto, ela sozinha não resolve todas as questões da inclusão. Como, por exemplo, não garante qualidade nas vagas que são ofertadas para pessoas com deficiência, assim como a carreira e o desenvolvimento na empresa, nem o combate ao preconceito e à falta de informação.
MM360 – Um dos desafios da inclusão, para empresas e pessoas físicas, é conseguir enxergar além da deficiência de um colaborador, ou de um candidato a alguma vaga. Como trabalhar essa realidade no mundo corporativo, fazendo com que a deficiência não seja vista antes do conhecimento técnico ou acadêmico de cada pessoa?
Trata-se de uma mudança cultural e isso não acontece do dia para a noite. É necessário desenvolver constantes ações de sensibilização como palestras, talks, treinamentos, rodas de conversa, comunicações, matérias e gerar muita informação sobre o tema.
Precisamos também dar voz às pessoas com deficiência. Seja dentro das empresas, nas redes sociais, nos espaços de decisão e influência, na sociedade como um todo. Precisamos escutar as demandas das pessoas e agir. Costumo dizer que diversidade é a nossa maior riqueza e inclusão é o nosso maior desafio. Não há inclusão sem intenção, sem ação e sem investimento.
MM360 – Quais são os principais avanços nas empresas comprometidas com o tema, tanto em termos de políticas como práticas?
Enxergar o colaborador com deficiência como uma pessoa normal e não como alguém diferente ou especial. Tenho batido muito nessa tecla de normalizar a deficiência. Até porque fomos tratados como especiais até hoje e continuamos com poucas oportunidades, sem acessibilidade física ou tecnológica. Invisíveis como consumidores e cidadãos.
Vejo que as empresas que estão um pouco mais avançadas nesse tema já enxergam valor nas pessoas com deficiência. Seja como profissionais que podem contribuir com novas visões no ambiente de trabalho, ou como consumidores que estão carentes de produtos e serviços específicos para as suas necessidades específicas.
MM360 – Como as empresas podem atuar para contribuir na redução e/ou eliminação da discriminação em relação às pessoas com deficiência? Qual o papel dos “aliados” ao tema no mundo corporativo? Como eles devem atuar?
Corrigindo uma série de distorções históricas e agindo para ampliar a representatividade de pessoas com deficiência na liderança e em todos os espaços que possuem influência. Devem trazer o tema para a sua publicidade, na cadeia de fornecedores, na mídia. Imagina uma empresa que não destine verbas publicitárias para uma mídia que não possui acessibilidade digital, por exemplo. Ou uma empresa que dê preferência para prestadoras de serviço que possuam pessoas com deficiência no board. Que utilizem modelos com deficiência em suas campanhas publicitárias, e por aí vai.