“Para nós, as referências são ainda mais escassas. Dar voz a esse público é fundamental”, afirma Roberta Anchieta
Roberta Anchieta da Silva se destaca como líder em uma área majoritariamente masculina. Ela, que recebeu o Prêmio Sim à Igualdade Racial, em 2019, na categoria liderança, é Superintendente de Administração Fiduciária no Itaú, onde coordena mais de 50 colaboradores.
Desde muito cedo, Roberta decidiu que o fato de ser mulher negra não limitaria ou definiria suas escolhas. Apoiada no exemplo do pai, que também fez carreira no mercado financeiro, ela investiu em educação e qualificação profissional para conseguir se destacar na área.
Para empoderar outras mulheres a serem protagonistas de suas vidas, Roberta compartilha a trajetória e os desafios de ser uma líder mulher, mãe e negra. Além disso, ela também é membro e sponsor do Blacks at Itaú e do grupo de Desenvolvimento Feminino do Banco de Atacado.
“Pensando nas mulheres negras, sabemos que existem ainda mais desafios, e as referências são ainda mais escassas. Nesse contexto, dar voz a esse público é fundamental, dando lugar de fala não somente para o tema de diversidade, mas também para profissionais negras competentes em suas funções técnicas mostrarem às demais que é possível”, diz.
Em entrevista ao Movimento Mulher 360, a profissional ainda complementa: “A abertura ao diálogo permite que as barreiras enfrentadas saiam do subjetivo e tornem-se planos de ação para a igualdade de oportunidades. Atualmente, diversidade é um dos componentes de uma boa empresa para se trabalhar. Cada vez mais as pessoas têm buscado um ambiente que promove o respeito e a inclusão, independente de gênero, raça, orientação sexual, deficiência ou quaisquer outras características”.
Leia na íntegra a entrevista feita pelo Movimento Mulher 360.
MM360 – Quando você começou a trabalhar no Itaú? Qual é o principal desafio da sua função atual?
Entrei no Itaú Unibanco em 2000 como trainee na área de Wealth Manegement Services. Trabalhei 16 anos na área de produtos da Itaú Asset Management e, atualmente, sou superintendente de Administração Fiduciária. Hoje, o meu principal desafio é mitigar riscos fiduciários, atuando como protetora dos direitos dos cotistas.
MM360 – Como foi o seu desenvolvimento na empresa? Conte a sua história de desenvolvimento profissional e desafios.
Eu sempre quis trabalhar no mercado financeiro e sabia que o programa de trainee seria a minha melhor porta de entrada, porque me daria um conhecimento mais amplo e estratégico dos negócios.
Como trainee do Itaú, eu passei por várias áreas ao longo de sete meses, e pude conhecer o negócio como um todo até ser alocada na Itaú Asset Management. Sendo matemática, minha área inicial foi pesquisa quantitativa, mas desenvolvi a maior parte da minha carreira na área de produtos. Depois de dois anos como trainee, tornei-me especialista, ocupando um cargo sênior por três anos, até me tornar gerente.
Ao todo foram 16 anos nessa área, até passar por um processo seletivo interno e me tornar superintendente de Administração Fiduciária. Foi um caminho longo, mas natural e buscado.
Para me sobressair em um setor majoritariamente masculino, investi em graduação, pós-graduação, mestrado e cursos de extensão. As cobranças e as expectativas em relação às mulheres são muito grandes no mercado de trabalho. Por isso, se vou conduzir uma reunião ou fazer uma apresentação de algum tema técnico, por exemplo, eu sei que preciso mostrar embasamento, conhecimento e conteúdo para defender minhas ideias. Apesar de ter escolhido uma carreira onde os homens eram e ainda são maioria, pude realizar o sonho de trabalhar com Gestão de Pessoas, e hoje eu sou líder de uma área com 55 colaboradores. Dos meus cinco reportes diretos, três são mulheres. Embora veja uma evolução clara na inclusão de mulheres no mercado de trabalho ao longo desses meus 18 anos de carreira, sei que o meu time é uma exceção no mercado financeiro e que ainda temos muito a evoluir.
MM360 – Sabemos que as mulheres negras enfrentam desigualdades diferentes, tendo em vista a interseccionalidade de gênero e raça. Poderia contar os desafios que enfrentou e como fez para superá-los?
Como mulher preta, nunca fui associada ao estereótipo de beleza, conhecimento e inteligência. Apesar de ter tido uma série de privilégios diferentes da maioria dos meus semelhantes, a sociedade, por muitas vezes, estranhou me encontrar em escolas particulares, hotéis e restaurantes ou em cargos de liderança. Não é fácil lidar com a realidade de um país cuja a estrutura construída secularmente é patriarcal e racista. O sentimento de “não pertencer” se faz presente muitas vezes. Mas tive um exemplo de superação em casa (meu pai era um homem negro graduado, mestre e doutor, que fez sua carreira no mercado financeiro) e isso sempre me fez acreditar que eu poderia ser o que quisesse ser.
Dessa forma, defini muito cedo que o fato de ser mulher e preta não limitaria ou definiria minhas escolhas. Para lidar com tudo isso, investi muito em educação e também em abordar o tema racial na minha vida profissional e privada, de forma a construir significados diferentes dos estereótipos negativos atuais.
MM360 – Você é casada e tem filhos? Como foi o retorno da licença-maternidade e quais foram os principais desafios?
Sou casada, mãe de dois meninos, João e Gabriel – de 3 e 7 anos. A decisão de ser mãe não foi simples para mim, pois tinha muito receio de como isso impactaria minha carreira. No entanto, o fato de meu marido ser muito participativo e dividir as tarefas do dia a dia comigo sempre foi fundamental para que os dois conseguissem desenvolver as tarefas domésticas e as carreiras. Essa parceria entre nós é essencial, mas sei que minha realidade é diferente de muitas mulheres.
MM360 – Quais iniciativas que a empresa ofereceu que ajudaram no avanço de sua carreira?
No começo da carreira, o fato de ter entrado por um programa de talentos me deu acesso a alta liderança e discussões estratégicas. Considero fundamental para meu progresso o investimento em educação e sempre pude contar com investimento do banco em pós-graduações e outros cursos. Vale também mencionar que as políticas relacionadas à licença-maternidade, como seis meses de licença e o retorno com jornada reduzida, também contribuíram para uma readaptação mais tranquila. O trabalho do Itaú Unibanco com relação a diversidade promove discussões abertas, questionamentos e implementações de ações que tornam o ambiente mais inclusivo para mulheres pretas, como eu.
MM360 – Atualmente, como você engaja com a diversidade racial e de gênero no ambiente corporativo? Você participa de algum grupo de afinidade relacionado ao tema?
Atualmente, sou membro e sponsor do Blacks at Itaú, grupo de afinidade racial, e do grupo de Desenvolvimento Feminino do Banco de Atacado.
Recentemente, participei como palestrante na semana de Diversidade de Gênero e Semana Racial do Itaú Unibanco, compartilhando minha trajetória e os desafios de ser uma mulher líder, mãe e negra. Tenho também dividido minhas experiências em alguns fóruns externos de Diversidade, a fim de contribuir com outras pessoas e ser uma agente de mudança para uma sociedade mais justa e equânime. Com isso, este ano tive a honra de ganhar o Prêmio Sim à Igualdade Racial, na categoria liderança negra, e pude perceber que o fato de compartilhar a minha história tinha chegado a mais pessoas do que eu poderia imaginar.
MM360 – Você acredita que as mulheres estejam mais empoderadas nas empresas? E como tornar o ambiente mais equitativo para mulheres, especialmente as negras, na sua opinião?
Acredito que a nova geração impulsiona uma mudança de comportamento. Há 20 anos, a sociedade aceitava as piadas sobre mulheres. Hoje, há uma consciência de que essas ‘brincadeiras’ discriminam e diminuem a mulher, algo inaceitável. É uma transformação lenta, mas que está acontecendo. Pensando nas mulheres negras, sabemos que existem ainda mais desafios e as referências são ainda mais escassas. Nesse contexto, dar voz a esse público é fundamental, dando lugar de fala não somente para o tema de diversidade, mas também para profissionais negras competentes em suas funções técnicas poderem mostrar às demais que é possível.
A abertura ao diálogo permite que as barreiras enfrentadas saiam do subjetivo e tornem-se planos de ação para a igualdade de oportunidades. Atualmente, diversidade é um dos componentes de uma boa empresa para se trabalhar. Cada vez mais as pessoas têm buscado um ambiente que promove o respeito e a inclusão, independente de gênero, raça, orientação sexual, deficiência ou quaisquer outras características”.
MM360 – Qual sua dica para jovens mulheres que estão entrando no mercado de trabalho com ambição de chegar em cargos de liderança?
Seja você mesma: se tem uma vocação, uma aspiração ou um sonho, persiga, não tente representar um papel. Mantenha-se antenada no que acontece no mundo. Nunca pare de aprender, troque conhecimentos, aprenda novas línguas, tire o melhor da vida acadêmica. Temos que ser protagonistas da nossa carreira. Ninguém vai buscar por nós. Isso envolve enfrentar desafios e aproveitar as oportunidades. Muitas vezes, tempos difíceis virão, mas não desista. Você não está sozinha.