“Os desafios enfrentados pelas mulheres negras são maiores em todos os níveis”, diz Cida Bento
“Pesquisas realizadas nos últimos cinco anos revelam que a presença feminina e negra faz diferença no resultado dos negócios”, diz Cida Bento, coordenadora executiva do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades (CEERT).
Apesar desse dado, ainda há muitos desafios para a inclusão dessas mulheres. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 aponta a permanência de grandes desigualdades de gênero e raça no Brasil, atingindo especialmente as mulheres negras no mercado de trabalho.
Em entrevista ao Movimento Mulher 360 (MM360), Cida falou sobre esse contexto de empoderamento, liderança e a situação das mulheres negras na sociedade. Ela atua no campo da diversidade em recursos humanos há mais de 25 anos. Já escreveu livros sobre o tema e desenvolve, desde a década 90, trabalhos em empresas no Brasil. Em 2015, Cida foi considerada, pela revista “The Economist”, uma das 50 profissionais mais influentes do mundo no campo da diversidade.
Confira a entrevista na íntegra:
Movimento Mulher 360: De que forma as empresas podem colaborar, de maneira efetiva, com as questões referentes ao papel e aos desafios da mulher negra na nossa sociedade?
Cida: Os desafios enfrentados pelas mulheres negras são maiores em todos os níveis e, por esta razão, elas se encontram na base da pirâmide social.
É preciso que as corporações compreendam exatamente onde estão os entraves. Para isso, precisam monitorar o acesso ou não acesso das mulheres negras às empresas, sua passagem pelo recrutamento, seleção, suas oportunidades de treinamento e promoção. Como os produtos e serviços podem contemplá-las. São necessárias métricas que auxiliem a empresa a fazer a gestão desses processos, compreender onde estão os gargalos e desenhar ações para superá-los.
MM360: Quando falamos sobre empoderamento feminino, é importante destacarmos as diferenças das condições desse empoderamento para mulheres brancas e para as mulheres negras? Por quais motivos?
Cida: O empoderamento remete à condição de ação individual e coletiva ligada a consciência social, libertação das opressões, conquista de direitos, autonomia, sentimento de pertencimento e identidade, poder sobre seu destino e sobre seu corpo. O empoderamento remete à força individual e coletiva. Essa luta, que envolve as mulheres em geral, é maior para mulheres negras, indígenas e trans, porque lutam contra um nível de opressão maior e acabam acumulando uma força maior. A prova disso é a Marcha das Mulheres Negras 2015, que levou 50 mil mulheres a Brasília. E elas falaram também em “bem viver”. Vale ressaltar que uma carreira bem desenvolvida não precisa significar um “mal viver”.
Movimento Mulher 360: Nos últimos anos, pudemos observar uma ascensão econômica e uma crescente inclusão de negros e negras nas instituições de ensino superior no Brasil. No entanto, ainda temos esses públicos sub-representados nas empresas, em especial quando olhamos para as mulheres negras em cargos de gerência e liderança. Por que ainda temos esse cenário? Quais são os principais desafios que o sustentam?
Cida: Os lugares de comando e de liderança foram sistematicamente associados à figura masculina e branca. A forma como o poder é exercido também traz esta marca. São lugares de privilégio, onde os salários e benefícios são maiores. A alteração concreta e simbólica da ocupação desses lugares vem sendo feita cotidianamente pelas mulheres. A corporação, como um todo, precisa se envolver: definindo regras, programas de ação afirmativa e metas, pois a empresa ganha em inovação quando conta com a experiência feminina e com o acúmulo das mulheres negras. Pesquisas realizadas nos últimos cinco anos revelam que a presença feminina e negra faz diferença no resultado dos negócios.
Movimento Mulher 360: Para revertermos essa situação de lento avanço das mulheres negras dentro das empresas, é preciso pensar em ações afirmativas específicas para elas? Quais?
Cida: Os resultados virão se um trabalho sério for realizado. A empresa precisa redefinir e explicitar seu posicionamento. Precisa criar organismos para cuidar deste tema e definir orçamento realístico. É imprescindível estabelecer metas que possam ser alcançadas em curto, médio e longo prazo.