“Enquanto for preciso um dia para lembrar da visibilidade lésbica, estaremos aqui”, afirmam fundadoras da Rede de Mulheres LBTQ+
Se as mulheres já enfrentam barreiras para ingressar no mercado de trabalho e ocuparem cargos de liderança, para aquelas que são lésbicas, bissexuais, transgênero e queer o desafio é ainda maior, já que além de lidar com as desigualdades relativas ao fato de serem mulheres, precisam lidar, também, com situações referentes à sua orientação sexual.
Uma pesquisa feita pelo LinkedIn aponta que 15% dos profissionais acreditam que assumir a orientação sexual ou identidade de gênero pode atrapalhar seu crescimento na empresa. Outros 12% disseram que sua capacidade pode ser questionada, e 9% dos entrevistados têm medo de uma demissão por esse motivo.
Com o objetivo de aumentar a representatividade política e a visibilidade acadêmica e midiática de mulheres LGBTQ+, além de contribuir para o desenvolvimento profissional e o ingresso dessas mulheres no mercado de trabalho, Debora Gepp e Letícia Sayuri, fundaram a Rede Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transgênero e Queer.
“Nós influenciamos e apoiamos pessoas e organizações na valorização e promoção da diversidade e inclusão. Lutamos para construir espaços sociais e profissionais seguros e igualitários, em que as pessoas tenham a liberdade de serem quem realmente são”, contam.
Em entrevista ao Movimento Mulher 360, elas falam sobre os desafios e os avanços vividos pelas profissionais LGBTQ+ e de que maneira as empresas podem ter um olhar mais interseccional ao abordar a questão de gênero.
Confira.
MM360 – Qual a importância de se ter um dia voltado para a visibilidade lésbica?
A invisibilização das mulheres lésbicas vai desde a representatividade política, midiática, cultural até a falta de conhecimento sobre a discriminação específica que essa população sofre, que chamamos de lesbofobia.
Como resposta à essa marginalização, os primeiros movimentos de visibilidade lésbica no Brasil surgiram entre as décadas de 70 e 80. Reivindicando o espaço e se dissociando das pautas feministas e dos homens gays, surge o GALF (Grupo de Ação Lésbico-Feminista), criador do boletim ChanacomChana (1981-1987). A publicação era distribuída no Ferro’s Bar, famoso na cena lésbica em São Paulo. Em 1983, o proprietário do bar proibiu a venda do material no local. As integrantes do grupo ocuparam o espaço e, juntamente com figuras políticas, leram o manifesto contra a repressão e pelos direitos das mulheres lésbicas. O ato foi a primeira manifestação lésbica brasileira e se tornou um marco histórico no movimento LGBTQIA+ e feminista, tornando-se o Dia Nacional do Orgulho Lésbico.
Em 29 de agosto de 1996, foi realizado o primeiro SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas), protagonizado por lésbicas negras. Essa data ficou estabelecida como o Dia da Visibilidade Lésbica. Como a história conta, e ainda vemos nos dias de hoje, muitas vezes os pleitos das mulheres lésbicas não são levados em consideração no movimento LGBTQIA+ e no movimento feminista. Muitas vezes, as pautas de equidade de gênero e direitos LGBTQIA+ acabam visibilizando apenas, respectivamente, mulheres heterossexuais cisgênero e homens gays cisgênero.
MM360 – Como surgiu e qual é a atuação da Rede Brasileira de Mulheres LGBTQ+?
A Rede Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transgênero e Queer nasce da necessidade da visibilização dos pleitos das mulheres LGBTQ+ no mercado corporativo. Trabalhamos para acelerar o desenvolvimento profissional, o ingresso no mercado de trabalho e a ocupação de cargos de liderança das mulheres LGBTQ+, assim como aumentar a nossa representatividade política e a visibilidade acadêmica e midiática, sempre com uma visão interseccional de raça e classe.
Nosso trabalho é construído de forma coletiva. Por meio de interações nas redes sociais, inserção de pautas em veículos da mídia, participação em congressos e painéis, apoio e suporte emocional e profissional entre nossas integrantes.
Nós influenciamos e apoiamos pessoas e organizações na valorização e promoção da diversidade e inclusão. Lutamos para construir espaços sociais e profissionais seguros e igualitários, onde as pessoas tenham a liberdade de serem quem realmente são. Reconhecemos os avanços das Mulheres Lésbicas ao longo das décadas de luta. Mas, enquanto ainda for preciso um dia para lembrar da visibilidade lésbica, estaremos aqui. Dando voz, espaço e luz para nossas mulheres.
MM360 – A mulher cisgênero e heterossexual já enfrenta grandes desafios para crescer profissionalmente e sofre com a falta de representatividade em cargos de liderança. E no caso das mulheres LGBTQ+?
A representatividade de mulheres LGBTQ+ em cargos de liderança é ainda menor do que as mulheres heterossexuais cisgênero. Desde a dificuldade para ingressar em cargos em empresas, como é o caso das mulheres trans, até a falta de referencial que inspire as demais de que é um caminho possível. Portanto, é importante que as empresas tenham esse olhar interseccional ao falarmos da questão de gênero, por exemplo. Muitas políticas e ações de diversidade e inclusão são construídas em empresas com base em uma lógica heteronormativa, que não leva em consideração todas as possibilidades de existir enquanto mulher.
MM360 – Onde já avançamos com relação ao tema de mulheres LGBTQ+ e o mercado de trabalho? O que é importante fazer para que essas conquistas sejam permanentes?
Com o reconhecimento de alguns direitos civis, hoje é possível incluir parceiras do mesmo gênero nos benefícios de saúde da empresa e as licenças parentais se aplicam também para casais homoafetivos.
Observamos alguns avanços, mas avançamos em silos. Hoje, as empresas trabalham as questões de gênero e LGBTQIA+ de forma isolada, sem um olhar interseccional, ou seja, as pautas avançaram para as mulheres heterossexuais e cisgênero, para os homens gays cisgênero, mas não para as mulheres LGBTQ+, que na maioria das vezes não tiveram seus pleitos específicos considerados na construção dessas ações.
Além disso, a inclusão de mulheres transgênero no mercado de trabalho formal ainda é muito pequena. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, 90% das mulheres trans, por não encontrarem oportunidades de trabalho nas empresas, acabam se prostituindo, como única forma de sobreviver.
MM360 – Segundo pesquisa feita pela PwC, divulgada no início deste ano, apenas 38% das mulheres atraídas pelo mesmo gênero se assumem no ambiente profissional, ainda que 65% se sintam confortáveis com sua sexualidade. O que pode ser feito pelas empresas para mudar essa realidade?
O primeiro passo para possibilitar que as pessoas possam ser quem realmente são, e falem abertamente sobre a sua orientação afetivo-sexual e identidade de gênero, é proporcionar um ambiente de trabalho inclusivo, acolhedor e com segurança psicológica. Desenvolver uma cultura inclusiva e que respeite todas as pessoas pode ser viabilizada por meio de treinamentos, comunicações, reconhecimento de bons comportamentos e punição de comportamentos discriminatórios. Ter uma liderança assumidamente LGTBQIA+ também colabora para espaços de trabalho mais inclusivos.
MM360 – De que maneira as empresas podem atuar para reduzir e/ou eliminar a discriminação em relação à identidade de gênero e orientação sexual?
Sugerimos três frentes de atuação.
Informação e educação: A educação de todos os colaboradores é fundamental neste processo. Nosso sistema educacional e cursos de aperfeiçoamento profissional não falam sobre diversidade e inclusão, e sabemos que, muitas vezes, a nossa sociedade mais deseduca do que educa. Então, é muito importante que as empresas tenham uma agenda que explique os conceitos básicos sobre diversidade, inclusão, equidade, privilégios e grupos minorizados. E, no caso, o que é LGBTQIA+, o que é orientação afetivo-sexual e identidade de gênero. A informação e o conhecimento têm o poder de quebrar paradigmas e desconstruir preconceitos, vieses e crenças limitantes sobre a nossa comunidade.
Revisar a Comunicação Interna e Externa: Para fomentar a cultura de diversidade, inclusão e respeito, é necessário fazer uma avaliação da comunicação e verificar como a informação é transmitida e recebida pelos colaboradores, clientes, fornecedores e sociedade. Algumas abordagens na comunicação podem reforçar estereótipos machistas, sexistas e lesbofóbicos. Revisar o casting de fotos e vídeos e repensar a narrativa das comunicações, contribui para o fortalecimento da cultura de diversidade e respeito.
Combater de forma ativa a LGBTQIAfobia: O preconceito é resultado de uma construção social e está presente em todos os ambientes, inclusive nas empresas. Desta forma, o combate a LGBTQIAfobia deve ser ativo e explícito. Códigos de conduta e canal de denúncias são fundamentais para direcionar comportamentos e apurar condutas indevidas.
MM360 – Que outras práticas as companhias podem adotar para avançarmos também nesse tema?
Para que o tema avance nas companhias, é importante ter uma agenda sólida de diversidade e inclusão e um olhar interseccional para a construção de sua estratégia e ações. Mesmo entre os grupos minorizados, existem marcadores identitários que nos dão mais ou menos privilégios, e isso tem que ser levado em consideração. Uma mulher lésbica branca provavelmente enfrenta menos barreiras do que uma mulher lésbica negra. Sendo assim, além de construir uma cultura e um ambiente de trabalho inclusivo, é necessário criar ações para uma transformação estrutural que leve em consideração a interseccionalidade. Um exemplo de ação é a meta para participação de mulheres em redes de afinidade, ou o incentivo para que mulheres LGBTQ+ assumam a liderança das redes.
MM360 – Como as lideranças podem contribuir efetivamente nessa frente de atuação?
As lideranças têm grande poder de influência e transformação em uma organização. O primeiro passo é que elas sejam um exemplo interno de respeito e valorização da diversidade. Não tolerar comportamentos discriminatórios e excludentes, e reconhecer comportamentos inclusivos são exemplos de boas práticas de gestão. Além disso, é importante que a liderança se eduque para entender mais sobre os desafios de cada grupo minorizado e apoie essas populações sempre que for preciso.
MM360 – Deixem uma dica para mulheres LGBTQ+ que estão entrando no mercado de trabalho e para aquelas que ambicionam um cargo de liderança.
Sempre que possível, procure empresas em que você pode ser quem realmente você é, e que você possa ter segurança psicológica, que você seja incluída e não precise viver duas vidas tendo que esconder parte importante da sua identidade e vivência. Procure redes internas de apoio, procure outras mulheres, principalmente mulheres LGBTQ+ que possam ser suas apoiadoras e também suas mentoras, e, nunca deixe de acreditar que você é boa o bastante para chegar onde almeja.