“A paternidade tem sido o maior gatilho de transformação do homem”, diz Leandro Ziotto


No próximo domingo, 9 de agosto, comemora-se o Dia dos Pais no Brasil. Em um momento em que muito se discute sobre a masculinidade moderna, a paternidade ativa e a importância de envolver os homens na luta pela igualdade de gênero – dentro e fora de casa -, o Movimento Mulher 360 entrevista Leandro Ziotto.
Ele, que se apresenta como pai do Vini e só depois fala sobre o seu cargo profissional, acredita que a paternidade tem sido o maior gatilho de transformação do homem. Fundador da 4daddy, plataforma de produção de conteúdo e conhecimento sobre parentalidades e masculinidades, faz recomendações para que as empresas possam incentivar e acolher a paternidade como algo natural dentro do mercado corporativo.
“A paternidade tem sido o maior gatilho de transformação do homem. Lógico que essa transformação não é automática e nem mágica. Mas é, sem sombra de dúvida, a maior janela de oportunidade para se trabalhar o homem para performar uma masculinidade mais saudável. Uma paternidade participativa e cuidado tem impactos positivos no homem, na família e na sociedade”, diz Ziotto.
“A Revolução das mulheres foi para fora. De conquistar espaço e fala. A revolução do homem, será interna. O homem não precisa de espaço, ele já está nesse espaço. Ele precisa se reposicionar nesse lugar, tornando os ambientes públicos e privados igualitários, acessíveis e acolhedores para todos, todas e todes”, complementa.
Confira.
MM360 – Como surgiu a 4daddy?
O incômodo que depois fez gerar a 4daddy nasceu há oito anos, numa terça feira de madrugada. Quando conheci o Vini e a mãe dele, ele tinha apenas 3 anos. O Vini é fruto da primeira relação da minha ex-esposa. Eu brinco que preciso fazer um infográfico para explicar nossa configuração familiar (risos). Após um ano e meio mais ou menos, fomos todos morar juntos. E o Vini mesmo já me tendo como uma outra referência paterna, pois é importante dizer que o pai biológico do Vini é presente, o ele teve muitas dificuldades para dormir. Era tudo muito novo. Uma dinâmica nova, nova escola, novo quarto. E depois de tentar de tudo, nessa madrugada eu apelei pro Google. E escrevi: “como colocar uma criança de 4 anos para dormir”. E há 8 anos, fui até a quinta página do Google e não encontrei nada para mim. Só textos e matérias para mães. E aquilo que incomodou muito. Não admitia que eu, só porque era homem, não teria a competência de colocar uma criança para dormir.
Foi aí que comecei a ler, estudar e pesquisar sobre CUIDADO, PRIMEIRA INFÂNCIA e PARENTALIDADE. E hoje, depois de pesquisar e estudar em artigos científicos e acadêmicos do mundo inteiro, posso afirmar com tranquilidade e autoridade que SER PAI não tem nada a ver com biologia, genético e muito menos com gênero. SER PAI, como SER MÃE, é uma construção social. E a nossa sociedade colocou sobre os ombros das mulheres de ter essa sobrecarga física, mental e emocional de ser a protagonista em criar uma criança. O que acaba afastando os homens de exercerem uma paternidade participativa e cuidadora.
Então a 4daddy nasceu formalmente em 2016 com a missão de apoiar a sociedade civil, empresas e o Estado na criação de programas, ações, estudos e pesquisas que tratem sobre Paternidades e Masculinidades em prol da igualdade de gênero, racial e social.
MM360 – De que forma ela interage com as empresas?
Nosso principal trabalho com as empresas é sensibilizá-las que não existe separar vida pessoal e profissional. O ser humano é integral. É impossível separar o pai do vendedor, ou a mãe da gestora. Uma família com problemas resulta em colaboradores com problemas. É preciso um equilíbrio.
Gosto muito da referência de Brian Dyson (ex-presidente da Coca-Cola Co.). Ele diz: “Imagine a vida como um jogo, no qual você faz malabarismo com cinco bolas que são lançadas no ar. Essas bolas são: o trabalho, a família, a saúde, os amigos e o espírito. O trabalho é a única bola de borracha – se cair e bater no chão, quica para cima – mas as outras quatro são de vidro. Se caírem no chão, quebrarão e ficarão permanentemente danificadas. Entendam isso e assim conseguirão o equilíbrio na vida”.
E mais, qualquer programa de igualdade de gênero, diversidade e inclusão está fadado ao insucesso se não incluir os HOMENS nessas pautas. E para isso precisa de: Pesquisa + Comunicação Assertiva + Plano de ação + budget. Sem isso, vira apenas debate de pauta, sem eficiência de resultados.
MM360 – A plataforma recentemente se tornou signatária da ONU Mulheres. De que forma vocês estão comprometidos a promover a equidade de gênero?
O nosso comprometimento é falar diretamente com os HOMENS sobre o tema. Numa sociedade onde o homem faz parte do problema, ele também faz parte da solução. Temos que combater o machismo e não os homens. Pelo contrário, incluir, engajar e gerar transformação social, precisa ter os HOMENS incluídos e se sentindo parte da causa. E para isso precisamos desenhar ações que comunique, engaje e gere transformação de comportamento.
MM360 – Qual o papel do homem na promoção da equidade de gênero nas empresas?
A Revolução das mulheres foi para fora. De conquistar espaço e fala. A revolução do homem será interna. O homem não precisa de espaço, ele já está nesse espaço. Ele precisa se reposicionar nesse lugar, tornando os ambientes públicos e privados igualitários, acessíveis e acolhedores para todos, todas e todes.
MM360 – O que é a paternidade ativa e como ela contribui para a equidade de gênero?
A paternidade tem sido o maior gatilho de transformação do homem. Lógico que essa transformação não é automática e nem mágica. Mas é, sem sombra de dúvida, a maior janela de oportunidade para se trabalhar o homem para performar uma masculinidade mais saudável. Uma paternidade participativa e cuidado tem impactos positivos no homem, na família e na sociedade.
MM360 – Como conciliar o sucesso profissional e a paternidade?
É bem simples, porém não quer dizer que será fácil. Pois temos séculos de uma cultura machista. Mas para conciliar sucesso profissional e paternidade precisamos que a sociedade entenda que todos e todas nós precisamos de uma rede de apoio. Precisamos ser uma sociedade cuidadora, que mais que cuidar dos seus próprios filhos, saibam a importância de se importar pelas crianças do mundo e apoiar pais e mães a exercerem a sua parentalidade de forma possível.
Precisamos também que o Estado faça seu papel com leis e políticas públicas. Um país onde o carnaval é maior que a licença paternidade, nunca será um país com equidade de gênero. Um país onde não há fraldários nos banheiros masculinos proíbe que homens cuidem de suas filhas. Então o Estado precisa criar políticas públicas acolhedoras.
E por último precisamos que as empresas entendam que um colaborador que exerça a sua paternidade de forma cuidadora e participativa, impacta na sua produtividade, na sua capacidade de gerenciar, nas suas habilidades socioemocionais e soft skills. Não é questão apenas de benefício. É questão de estratégia econômica. As empresas que irão sobreviver a falência do capitalismo antigo, serão as empresas humanizadas, que entenderam que se não cuidar do planeta e da sociedade, tudo vai se extinguir.
MM360 – Por que é importante falarmos sobre paternidade dentro das empresas?
Porque a igualdade de gênero passa necessariamente pelo papel de cuidar, criar e educar uma criança. E o homem precisa ser incluído nessa equação. E mais uma vez. Homens que exercem uma paternidade ativa melhoram na comunicação empática, geram menos ausência por problema de saúde, criam soft skills fundamentais para o mercado de trabalho atual.
É mais do que um tema social e humanitário de direitos humanos. É uma questão econômica. Estudos comprovam que as empresas que se perpetuarão nessa NOVA ECONOMIA, serão empresas humanizadas, que coloca o Ser humano no centro da atividade econômica. Respeitando-o com dignidade e o tratando como sujeito de direitos. A economia é circular!!!
A etimologia da palavra economia, eco significa casa, e nomia, significa gerir e cuidar. Acredito fortemente que uma NOVA ECONOMIA, numa NOVA SOCIEDADE, pós pandemia da Covid-19, não será construída apenas por economistas, programadores e engenheiros, mas por CUIDADORES. Pessoas que tenham cuidado nas suas relações familiares, sociais, com seus colaboradores, com seus clientes e consumidores, e etc.
MM360 – Qual a importância de termos um ambiente de trabalho mais acolhedor aos profissionais – sejam homens ou mulheres – que têm filhos?
Um ambiente de trabalho acolhedor gera melhor qualidade de vida e de trabalho. Não entendo a dificuldade das empresas em entenderem isso. Ter um filho ou uma filha não é uma distração, um obstáculo. Criar um ser humano é o maior empreendimento que se pode ter. E isso pode trazer o maior desenvolvimento pessoal para essa pessoa.
O ser humano é o único mamífero da TERRA que em algum momento da vida precisará de cuidados. Seja quando nasce, ou quando envelhece. CUIDAR das pessoas está no nosso DNA. Afastar isso é desumanizar. E CUIDAR é aprendido, ensinado e desenvolvido.
MM360 – De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a licença paternidade no Japão, que é de até um ano, é uma das mais extensas no mundo. No início do ano, quando um ministro de Estado japonês anunciou que faria uso desse direito, houve grande repercussão na mídia. O portal Nexo trouxe, inclusive, o dado de que, apenas cerca de 6% dos novos pais empregados no país, usufruem desse direito. O que você acha que leva a esse tipo de comportamento dos novos pais?
SER PAI é uma construção social. Como toda construção social precisamos de referências anteriores e históricas. E ou não temos nenhuma, ou temos muito poucas. E não digo apenas de referências familiares, digo em tudo. Nas novelas, filmes, campanhas publicitárias, histórias em quadrinhas e etc.
Quando fazemos trabalho de consultoria para alguma empresa para ajudá-la a resolver esse problema, eu sempre faço essa analogia: “Disponibilizar pro meu filho na geladeira um brócolis pra comer, não quer dizer que ele vai lá comer de forma proativa. Precisamos ter uma educação alimentar para comermos de forma mais saudável. Então por que com paternidade seria diferente?”.
Oferecer e disponibilizar a licença paternidade estendida, que ainda é opcional, para homens criados e educados num mundo numa cultura machista não adianta. Há uma necessidade de um programa de conscientização. E não é nada de outro mundo, que exige tecnologia de ponta. É apenas um plano de ação, que mais uma vez, exige pesquisa, comunicação e ações. Apenas isso!!! Dessa forma, com o tempo, mudamos o comportamento cultural dos homens perante a licença paternidade.
MM360 – Com o objetivo de garantir a equiparidade de gênero, muitas empresas no Brasil, inclusive associadas do Movimento, possuem a licença paternidade estendida de até 6 meses. De que forma as companhias podem contribuir para que os colaboradores façam, de fato, o uso desse benefício?
As empresas precisam oferecer a licença, e mais do que isso, fazer um trabalho de sensibilização, acompanhamento, e de retorno. E uma coisa importante: esse trabalho deve ser diferente do que já é feito com as mulheres/mães. Precisam ser feitos planos de comunicação e de ações diferentes para homens e mulheres. Pois para gerar engajamento e transformação, a pessoa precisa se sentir pertencente nesse papel. E a concepção de homens e mulheres de pertencimento não são as mesmas.
Outra coisa importante. Criar não é nato. Isso é outra mentira. Se até para preparar um prato de comida gostoso exige técnica, por que para ser pai não exigiria? Ainda mais numa sociedade que não educa seus homens para cuidar, como fazem com as mulheres. Por isso que uma formação parental para homens é fundamental, pois se não eles ficarão em casa sem saber o que fazer, podendo sobrecarregar mais a mãe do bebê. Pensando nisso, a 4daddy está desenvolvendo o Curso EAD P.A.I. que contemplará toda a jornada do pai, e abordará temas importantes como igualdade de gênero, diversidade, masculinidade saudável, saúde do homem, e competências do século XXI.
MM360 – Que outras práticas as empresas podem adotar para avançarmos neste tema?
Incentivar grupos temáticos e dar a eles autonomia para se organizarem, porém, também oferecer a sua estrutura institucional para isso. E mais uma vez. Tudo para ter resultados precisa de uma metodologia e um plano de ação, inclusive esses grupos temáticos para gerarem debates e experiências enriquecedoras para colaboradores. Existem muitas outras ações como produção de conteúdo informativo em vários formatos como: ebooks, podcasts, webinars e etc. Só precisa ter boa vontade, organização e budget. Sem essas 3 coisas, é apenas recreação.
MM360 – De que forma esse período de home office com as crianças em casa devido à pandemia da Covid-19 pode ser uma oportunidade de transformação masculina?
Fico muito incomodado em colocar na mesma frase a pandemia da Covid-19, a maior tragédia da nossa história contemporânea, e a palavra oportunidade. Porém acreditamos que temos a chance de ressignificar muitas coisas como: a paternidade, as masculinidades, o que é produtividade, relação de consumo, inclusive relação de trabalho. Acho que podemos entender que o “normal” de antes da pandemia já estava errado. Então podemos reformar e ressignificar muitas coisas.
MM360 – No próximo domingo, 9 de agosto, será comemorado o Dia dos Pais. Que recado você gostaria de deixar aos homens que já são ou que querem se tornar pais.
Gostaria de transmitir que SER PAI não é título que você ganhou. É um exercício diário em que a única recompensa será o amor. Sem prêmio, sem “biscoito” nas redes sociais, sem reconhecimento, porque ser pai é só ser.
E o mais importante, você não precisa saber tudo. Quando nasce uma criança também nasce um professor. E que você vai aprender ensinando seu filho e filha, e vai ensinar aprendendo com ele ou ela.
Ah, e o aprendizado é contínuo. Você vai errar, e está tudo bem. Assumir responsabilidade é diferente de culpa. Então não se culpe, mas assuma essa responsabilidade!!!