34 anos da Lei de Cotas: por que alguns mitos ainda dificultam a inclusão de pessoas com deficiência?

A Lei nº 8.213/1991, conhecida como Lei de Cotas, completou 34 anos em julho de 2025. Desde sua criação, ela é um dos principais instrumentos para garantir a inserção de pessoas com deficiência no mercado formal. De janeiro a junho de 2025, mais de 63 mil profissionais com deficiência ou reabilitadas e reabilitados pela Previdência Social foram contratadas e contratados no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A legislação obriga empresas com 100 ou mais funcionárias e funcionários a destinarem de 2% a 5% de suas vagas a pessoas com deficiência. A meta do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência é chegar a, pelo menos, 120 mil contratações até 2028. Hoje, entretanto, apenas cerca de 53% das vagas previstas pela lei estão ocupadas.
E ainda que esse contexto oprima os dois gêneros, as mulheres com deficiência têm o desafio de conviver com a interseccionalidade sobreposta: ser mulher e ter deficiência.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a desigualdade de gênero também se manifesta entre trabalhadoras e trabalhadores com deficiência. Informações do eSocial indicam que elas representam apenas 37,4% (204.548) das pessoas com deficiência empregadas e sua média salarial é de R$ 1.411,77, enquanto eles correspondem a 62,5% (341.392) e ganham cerca de R$ 1.637,50.
Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir – consultoria em diversidade, equidade e inclusão – ressalta que essa diferença evidencia a sobreposição de formas de discriminação. O machismo restringe o acesso feminino a cargos de liderança e sustenta a desigualdade salarial, e o capacitismo põe em dúvida a capacidade dessas mulheres para exercer funções que exigem autonomia e responsabilidade. Assim, torna-se inviável discutir a efetividade da Lei de Cotas sem considerar esse cenário.
“É fundamental criar ambientes de trabalho acessíveis, promover políticas de equidade de gênero e desenvolver programas de conscientização que combatam o capacitismo e o machismo estrutural.”
Ela ainda acrescenta que é urgente desmistificar crenças equivocadas que dificultam a efetividade da Lei. “Ela não é perfeita, mas é o que temos de mais efetivo em termos de políticas públicas para a inclusão profissional das pessoas com deficiência. Quando a sociedade não garante direitos por consciência, o Estado precisa garantir por obrigação até o dia em que ela ocorra de forma intencional, sem precisar de lei”, afirma.
Entre os equívocos mais comuns está a percepção de que as empresas contratam porque querem ser inclusivas. Na pesquisa “Radar da Inclusão” realizada pela Talento Incluir, Instituto Locomotiva e IO Diversidade e respondida por pessoas com 18 anos ou mais que se identificam como neurodivergentes ou possuem alguma deficiência, 94% das e dos respondentes acreditam que a contratação só acontece por exigência legal, e 89% afirmam que, mesmo assim, as condições adequadas nem sempre são oferecidas. Para 96% de quem participou, o governo deve manter e intensificar a fiscalização do cumprimento da legislação.
Outra coisa que também persiste é a ideia de que cumprir a cota é suficiente. Como reforça Carolina, “contratar não é incluir”: a transformação acontece quando as pessoas com deficiência são reconhecidas como talentos, com acesso às mesmas oportunidades e possibilidades de desenvolvimento de carreira que as demais pessoas.
O mito da falta de qualificação também é prejudicial. Muitas vezes, o problema está em processos seletivos não acessíveis ou pouco divulgados. Comunicação adaptada, qualificação interna e oportunidades iguais de crescimento são medidas que mudam esse cenário. Por fim, a ideia de que acessibilidade custa caro ignora que muitas adaptações são de baixo custo — e que o verdadeiro prejuízo está em não inovar ou arcar com multas por descumprimento da Lei.
Nos 34 anos de sua existência, a Lei de Cotas já abriu milhares de portas. Mais de 93% das admissões de pessoas com deficiência no Brasil ocorreram em empresas obrigadas a cumpri-la. O desafio agora é transformar o cumprimento legal em convicção genuína, para que a inclusão não dependa apenas da obrigatoriedade, mas se torne parte da cultura corporativa.
Leia mais
Pesquisa da to.gather revela qual será o futuro do trabalho de DEI nas empresas brasileiras
Ouça o episódio do MM360Cast – Comunicação interna como impulsionadora da DE&I