Menopausa e carreira: o desafio invisível que ainda afasta mulheres do mercado

A menopausa e o climatério, a fase de transição que a antecede, representam um ponto de inflexão na saúde e na carreira de milhões de mulheres. Longe de ser apenas uma questão de saúde individual, o tema emerge como um desafio estratégico para o mercado de trabalho, com impactos significativos na produtividade e na retenção de talentos maduros.
Dados da Sociedade Internacional de Menopausa indicam que 20% das mulheres na menopausa terão sintomas graves o bastante para interferir na vida pessoal e profissional. Essa evasão potencial, somada às perdas de produtividade relacionadas ao climatério, ultrapassa a marca de US$ 150 bilhões por ano em nível global, segundo a consultoria americana Frost & Sullivan.
Para a Sodexo, esse cenário é uma realidade urgente: mais de 66% de seus colaboradores são mulheres, sendo que cerca de 30% já estão na fase do climatério ou menopausa. O perfil demográfico da força de trabalho evidencia que a falta de suporte afeta uma parcela significativa da força ativa da companhia.
Como forma de combater o tabu e apoiar ativamente suas colaboradoras, a Sodexo, associada ao Movimento Mulher 360, criou em 2020 o programa “Que tal uma pausa?”. A iniciativa nasceu como parte da estratégia de Sustentabilidade e ESG da companhia para apoiar suas mulheres nessa fase da vida.
Em entrevista para MM360, a gerente de Sustentabilidade e ESG da Sodexo, Lilian Rauld, fala sobre as iniciativas que a empresa implementou para desmistificar a menopausa no ambiente de trabalho e garantir um espaço acolhedor para suas colaboradoras. Confira a entrevista completa e descubra como a companhia está liderando essa importante discussão.
Como surgiu a ideia do “Que tal uma pausa?”
O programa faz parte da estratégia da área de Sustentabilidade e ESG da Sodexo para apoiar as nossas mulheres nessa fase da vida. A ideia nasceu durante a pandemia, em 2020, quando decidimos começar a falar sobre o tema da menopausa dentro da empresa, já que 67% dos nossos colaboradores são mulheres – sendo que 30% estão no climatério e pelo aumento da expectativa de vida, o que faz que as mulheres passem mais tempo dentro do trabalho.
Realizamos ações de escuta ativa das colaboradoras, diagnósticos internos de saúde e pesquisas que evidenciaram a necessidade de abordar a menopausa no ambiente corporativo, então, identificamos a urgência de criar um espaço seguro para acolhimento, troca de experiências e apoio emocional.
Quais fatores internos (pesquisas, escuta de colaboradoras, diagnósticos de saúde) mostraram a necessidade de tratar a menopausa dentro da empresa?
Perfil demográfico da força de trabalho: Mais de 66% dos colaboradores são mulheres, e cerca de 30% estão na fase do climatério ou menopausa. Isso representa uma parcela significativa da força ativa da empresa.
Sintomas e impactos no trabalho: Pesquisas internas e mundiais indicaram que 70% das mulheres nessa fase enfrentam sintomas desconfortáveis, e 39% relatam ter sofrido piadas ou gozações no ambiente de trabalho. Esses dados apontam para um cenário de estigma e falta de acolhimento.
Riscos de evasão profissional: Estudos mostram que 20% das mulheres na menopausa consideram deixar o emprego, e que as perdas globais de produtividade relacionadas à menopausa ultrapassam US$ 150 bilhões por ano.
Barreiras de comunicação com lideranças: 3 em cada 10 mulheres afirmam que não se sentem à vontade para contar ao gestor o verdadeiro motivo de dificuldades no trabalho, o que reforça a necessidade de sensibilização e treinamento de lideranças
O programa também foi impulsionado por relatos espontâneos e rodas de conversa que revelaram:
Medo de parecer “velha e esquecida”: Algumas colaboradoras expressaram receio de que os sintomas da menopausa fossem interpretados como sinal de declínio profissional, o que poderia comprometer suas carreiras.
Dificuldades cognitivas e emocionais: Foram mencionadas situações como lapsos de memória, irritabilidade, tristeza e insegurança, que impactam diretamente a performance e o bem-estar no trabalho.
E um fator externo que enxergamos foi o fato deste tema ser já uma prática na Europa, com políticas públicas sobre afastamento de mulheres nesta etapa quando necessário, algo que muito provavelmente chegue ao nosso país no futuro.
O que o programa oferece na prática (ações, rodas de conversa, materiais educativos, flexibilização de horários, treinamentos de lideranças etc.)?
O programa oferece rodas de conversa, clube de leitura, documentos com informações, dicas, orientações e sobretudo traz que cada mulher é única e por isso cada uma deve buscar seu próprio tratamento, pois o que serve para uma pode não servir para outra. A consulta médica é fundamental para passar pelo processo da menopausa focado em cada necessidade.
Quem pode participar?
Todos os colaboradores da empresa estão convidados a participar — não apenas as mulheres! A presença dos homens é muito bem-vinda, pois entendemos a importância de que todos conheçam e compreendam o tema. Assim, poderão apoiar não apenas suas colegas de trabalho, mas também esposas, mães, irmãs e outras mulheres em suas vidas.
Esse não é um assunto exclusivo das mulheres, é uma pauta coletiva. A mulher precisa de uma rede de apoio consciente e informada para enfrentar essa realidade da melhor maneira possível.
O que torna o “Que tal uma pausa?” único em relação a outras ações de bem-estar já existentes no mercado?
O diferencial do “Que tal uma pausa?” está na abordagem integrada entre saúde física, emocional e social, com ações que vão além do informativo. O grupo, que hoje conta com 64 membros ativos, também atua como espaço de escuta ativa, desmistificação de tabus e construção de comunidade entre mulheres que compartilham vivências semelhantes.
Vocês têm dados ou percepções iniciais de impacto (por exemplo: aumento do engajamento, melhora de clima, redução de estigma)?
Os dados que temos até agora são mais qualitativos, dos comentários sobre redução do tabu, de sentir que podemos falar sobre o tema sem medo a parecermos velhas ou que estamos com Alzheimer (porque esquecemos de coisas, natural para quem está na menopausa), de poder nos posicionar e não aceitar piadas sobre o tema.
Há histórias ou depoimentos de colaboradoras que possam ilustrar a importância do programa?
Ivone Zeigler – Supervisora de Planejamento de Demanda e Controle de Produção – Sodexo
Meu nome é Ivone Zeigler, trabalho na área de planejamento de cardápios na sede da Sodexo em São Paulo e estou na empresa há 16 anos. Tenho 53 anos e, há cerca de três anos, comecei a perceber mudanças no meu corpo, na pele e principalmente na memória. Foi aí que comecei a estudar sobre a pré-menopausa, tentando entender melhor o que estava acontecendo comigo.
Conversando com a Lilian Rauld, soube que seria formado um grupo para falar sobre esse tema tão importante, e entrei desde a primeira reunião. Fico muito feliz por fazer parte desse espaço, onde podemos compartilhar nossas experiências, aprender umas com as outras e, acima de tudo, nos sentir acolhidas.
Acredito que falar sobre saúde feminina dentro de uma empresa com tantas mulheres faz todo o sentido. Essa fase da vida nos deixa mais sensíveis e isso impacta diretamente nossos relacionamentos, inclusive no trabalho. Ter um lugar onde podemos conversar abertamente, com empatia e apoio, é essencial.
Quais foram os principais desafios ao implantar o programa (tabus, falta de informação, adesão)?
O principal desafio foi o tabu, perguntas como “mas o que é isso que vão falar?”, “o que é o climatério?”, e “por que a empresa tem que falar desse assunto?”, “porque falar de algo tão privado da mulher?”.
Por isso nós começamos trazendo informação às pessoas, enviamos comunicados internos explicando de forma clara o que é cada coisa, o que acontece com a mulher, quais são os sintomas, e sobretudo, deixamos o canal aberto para consultas e conversas.
Que aprendizados vocês já conseguiram identificar e poderiam inspirar outras empresas?
Percebemos o quanto é essencial abrir espaço para que as mulheres falem sobre o tema. Muitas de nós, dependendo da geração, crescemos sem referências: nossas mães não conversaram sobre isso, tampouco irmãs ou amigas. Quando os primeiros sintomas surgem, geralmente não sabemos o que está acontecendo com o nosso corpo e mente. Falta informação, falta acolhimento.
Esse desconhecimento pode gerar insegurança, baixa produtividade, dificuldades cognitivas e emocionais, especialmente em mulheres em posições de liderança, que enfrentam sintomas como névoa mental, irritabilidade e outros desafios hormonais. Por isso, acreditamos que é fundamental que as empresas reconheçam a menopausa como uma pauta de saúde e bem-estar no ambiente corporativo. Criar um espaço seguro para diálogo, oferecer informação e apoio pode transformar a experiência dessas mulheres e fortalecer toda a organização.
Como o programa deve evoluir nos próximos meses/anos?
Estamos sempre evoluindo para termos cada vez mais pessoas fazendo parte deste grupo e estando sempre abertos ao que as mulheres nos trazem.
Existe a intenção de expandir para outras frentes ligadas à saúde da mulher?
Sim! E já temos nosso programa de saúde da mulher no qual cobrimos outras frentes como apoio com temas de câncer de mama, de útero e parentalidade.
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