Mariana Covre

Diversidade no topo e Brasil na vanguarda: cotas femininas nos Conselhos é mais do que obrigação legal, é imperativo de negócio
Uma nova lei importante acaba de fortalecer a governança corporativa e social no Brasil. O que antes era um projeto sobre cotas femininas nos conselhos de administração – tema da coluna anterior, que já mostrava os benefícios dessa ação de inclusão – agora é lei. Essa medida vai além de uma exigência legal; a presença feminina nos conselhos de administração é agora essencial para o sucesso dos negócios no Brasil. Isso coloca o país na frente em ações para promover a igualdade, mesmo em um contexto mundial de desafios à diversidade.
A Lei e seus detalhes
A Lei nº 15.177, de 23 de julho de 2025, já está valendo e torna obrigatória a reserva mínima de 30% das vagas para mulheres nos conselhos de administração de empresas estatais e suas afiliadas.
A lei não se limita a uma cota de gênero simples. Ela reconhece a complexidade das desigualdades ao determinar que, das vagas femininas, pelo menos 30% devem ser preenchidas por mulheres negras ou com deficiência (Art. 2º, § 1º). Esse é um avanço notável que reconhece que as desigualdades se cruzam, ou seja, mulheres podem sofrer discriminação por serem mulheres, negras e/ou com deficiência ao mesmo tempo. Para validar essa inclusão, a própria pessoa declara sua raça, um critério já usado em outras políticas de inclusão no Brasil.
Implementação gradual e visão de futuro
Essa reserva para mulheres negras e com deficiência, no entanto, só valerá depois que a cota geral de 30% para mulheres for atingida (Art. 3º, Parágrafo único). A implementação será feita em etapas, o que pode parecer lento, mas é uma forma cuidadosa de promover uma mudança duradoura na cultura e estrutura das empresas. O objetivo é, primeiro, consolidar uma representatividade feminina mais ampla – “abrir os espaços” para todas as mulheres nos conselhos – para, então, aprofundar a inclusão usando critérios específicos de raça e deficiência.
Essa abordagem gradual também se manifesta na progressão dos percentuais da cota geral. A lei busca acelerar a igualdade de gênero de forma responsável, abrindo novas possibilidades, incentivando a colaboração e mostrando que mulheres podem, sim, ocupar cargos de alta liderança.
Para lidar com resistências e desafios, a lei adota uma implementação em etapas: 10% de mulheres nos conselhos após a primeira eleição, 20% após a segunda, e o total de 30% após a terceira eleição subsequente à entrada em vigor da lei (Art. 3º). Essa progressão permite que as organizações se adaptem de forma mais fluida, diminuam resistências e preparem seus processos internos, incentivando a busca por talentos femininos no mercado e o investimento em seu desenvolvimento para futuras posições de conselho, garantindo uma mudança natural e duradoura.
Um aspecto inteligente da lei é que ela já pensa no futuro, incentivando a inclusão também em empresas de capital aberto. Embora a cota de 30% para mulheres em conselhos seja opcional para essas empresas no início (Art. 2º, II), a norma já as coloca no radar da inclusão, servindo como um claro indicativo para o mercado. A previsão de que o governo poderá criar programas para incentivar a participação voluntária (Art. 6º) revela uma particular “intenção da norma”: apostar que o sucesso da diversidade nas empresas estatais servirá de exemplo e incentivo para outras empresas. Para elas, a participação voluntária representa não apenas uma atitude real de responsabilidade social, mas um convite estratégico à liderança na igualdade de gênero, impulsionando a inovação, a competitividade e o fortalecimento da reputação corporativa em um mercado que valoriza cada vez mais a diversidade como algo que gera mais valor.
É a própria lei, em sua inteligência, que está abrindo um caminho para a ampliação natural e voluntária da ação de inclusão. Uma estratégia inteligente que faz da lei um grande experimento social, complementada pela previsão de que a lei será revista e seus resultados avaliados daqui a 20 anos.
Cláusula de revisão e transparência
Isso mostra que a lei é madura por ser responsável em suas determinações, partindo do entendimento de que a lei não é uma medida estática e permanente, mas sim uma ferramenta de política pública que pode ser adaptada. A ideia é que, uma vez atingidos os objetivos de igualdade e representatividade, a necessidade de intervenção legal possa ser reavaliada, compreendendo que a dinâmica de igualdade de gênero no ambiente corporativo pode mudar. Passados 20 anos, será possível analisar se o mercado absorveu a cultura da diversidade a ponto de não necessitar mais da cota, ou se os percentuais e mecanismos precisam ser ajustados para novas realidades.
Essa postura normativa – a que se convencionou chamar de “cláusula de revisão” – evita críticas de que as cotas seriam permanentes ou que excluem outros grupos, e também confere à lei um caráter de “ação planejada” que será reavaliada no futuro, diminuindo a resistência à sua aplicação.
Isso está claramente sinalizado nos adendos do projeto de lei original, tendo a própria casa legislativa registrado que diante da “principal vantagem [da lei] em estabelecer mecanismos mais céleres de correção de desigualdades culturalmente produzidas”, indicou que eventual desvantagem “é afastada pela avaliação periódica da política, como propõe […] Tal avaliação pode até vir a identificar uma esperada desnecessidade de manutenção do sistema, num olhar otimista para o futuro.”
Outra perspectiva fundamental dessa “cláusula de revisão” é que ela incentiva as empresas a acompanhar constantemente os dados sobre gênero e diversidade. As companhias e os órgãos de controle sabem que, daqui a duas décadas, os resultados serão analisados detalhadamente para decidir o futuro da lei. Isso incentiva um compromisso duradouro com a coleta de dados, a análise de resultados e a transparência, diminuindo o risco de a lei não ser cumprida ou de os avanços serem desfeitos sem que ninguém perceba.
Completando essa visão de futuro e “vigilância”, a Lei aumenta o nível de exigência para a transparência e o acompanhamento constante ao determinar novas exigências para os relatórios das empresas. As alterações nas Leis das S.A. e das Estatais exigem agora a inclusão de dados detalhados, como a quantidade e proporção de mulheres em todos os níveis hierárquicos e em cargos de administração, além de salários separados por gênero e como eles mudam ao longo do tempo (Arts. 7º e 8º). Esta não é apenas uma formalidade de divulgação; é uma ferramenta fundamental para a prestação de contas que obriga as empresas a registrar, acompanhar e divulgar seus avanços na igualdade de gênero. Mais do que dados para fiscalização, esses indicadores criam um elemento central da gestão corporativa focado em resultados concretos.
Nesse sentido, há um claro alinhamento com a Lei de Igualdade Salarial, onde a transparência é a principal forma de medir e combater a discriminação salarial por gênero, reforçando o compromisso do Estado de criar ferramentas para um mercado de trabalho mais justo e igualitário, incluindo punições para quem não cumprir a lei.
Efetividade e penalidades
Para garantir a efetividade, a lei prevê punições claras, indo além de apenas educar. Ela estabelece um sistema de fiscalização rígido, com órgãos de controle de dentro e de fora das empresas (Art. 4º), e impõe uma punição severa: o conselho de administração que desrespeitar a lei não poderá tomar decisões sobre qualquer assunto (Art. 5º). Isso significa que a empresa ficará paralisada até resolver a desigualdade de gênero, demonstrando que a lei quer abrir mais espaço para mulheres em cargos de decisão, com salários justos e igualdade social.
Conclusão
Vê-se que a Lei 15.177 não é apenas uma obrigação legal; é um progresso social que coloca o Brasil na liderança da governança que inclui a todos. É a oportunidade de construir um futuro empresarial não apenas mais rentável, mas especialmente mais justo e resiliente.