Transcrição do episódio

Trilha sonora

Margareth Goldenberg

Olá, seja bem-vindo e bem-vinda ao podcast do Movimento Mulher 360. Esse é um espaço dedicado ao compartilhamento de conhecimento e prática sobre equidade de gênero nas empresas. Equidade de gênero? Muito bem, esse termo ainda não é muito comum, mas na prática significa dar oportunidades e tratamentos iguais para todos, mulheres e homens. Falar é fácil, mas isso é um desafio para a maioria das empresas. A boa notícia é que nós estamos evoluindo, mas precisamos acelerar esse avanço. Vamos saber mais?

Trilha sonora

Eu me chamo Margareth Goldenberg, sou psicóloga, educadora e há mais de 2 décadas me dedico ao tema dos direitos humanos e cidadania nas empresas. Trabalho como consultora para apoiar as empresas na construção de ambientes corporativos onde as oportunidades sejam dadas a todos, sem diferenças.

Foi esse caminho que me levou a atuar também como gestora executiva do Movimento Mulher 360. Um movimento empresarial sem fins lucrativos que tem como missão contribuir para o empoderamento econômico da mulher brasileira. Através do fomento da sistematização e da difusão dos avanços nas políticas e práticas empresariais em prol da equidade de gênero.

Esse podcast é mais uma forma de fomentar e difundir esse conhecimento. Será um bate-papo informal com profissionais de empresas associadas e alguns convidados especialistas sobre 12 temas ao longo do ano. A gente quer compartilhar a inteligência coletiva construída pelo Movimento Mulher 360 com as 60 empresas associadas. Nós vamos conversar sobre caminhos, iniciativas, recomendações e aprendizados das empresas em relação aos principais desafios relacionados ao avanço da equidade no mundo corporativo.

Está mais do que comprovado que ter times diversos, inclusivos e com mulheres em todos os níveis hierárquicos e áreas das empresas, mais do que uma questão de justiça social, é um diferencial competitivo para os negócios. Impacta positivamente na atração, na retenção de talentos, na reputação corporativa, na lucratividade, no nível de inovação e disrupção das empresas. Ou seja, é o certo e o correto a fazer. A questão é como chegar lá. Seja muito bem-vindo, seja muito bem-vinda.

Trilha sonora

Nesse episódio de estreia, o tema é assédio e violência contra mulheres. Qual o papel das empresas? Um assunto delicado, importante, urgente, que precisa ser muito discutido hoje estão conosco, Maristella Iannuzzi, uma das idealizadoras da Rota VCM (Rota de Vida e Coragem da Mulher), Fernanda Cabrini, gerente de relações institucionais da Avon, e Letícia Vella, advogada do escritório Mattos Filho. Um prazer imenso ter vocês com a gente hoje, muito obrigada.

Dando um cenário inicial para a gente começar a debater o tema, né? O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo e a cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal, violência doméstica, feminicídio, estupro, assédio. Sob diversas formas e intensidades. A violência contra mulher é presente e recorrente no Brasil e no mundo, mas a violência contra mulher vai muito além da violência física. Temos que falar também das situações de assédio moral e sexual, que é aquele comportamento abusivo, frequente, repetitivo, que humilha, que constrange ou desqualifica alguém. Pode vir na forma de palavras, de atos, de gestos ou atitudes, e é capaz de afetar a saúde mental e física das mulheres atingidas. Cada vez mais há denúncias dessas práticas no mundo corporativo, que correspondem a quase 44% das denúncias dentro das empresas, sendo 64% de mulheres denunciantes.

O que nós vamos discutir hoje é qual o papel das empresas nessa questão. O que elas têm feito, o que elas podem fazer?

Mari, conta pra gente, inicia aí ajudando a gente a ter um cenário. Quais foram os principais resultados da pesquisa desenvolvida pela Rota VCM e parceiros em relação à violência contra mulheres nas empresas. As empresas estão se dedicando a esse tema? Como? Quais os pontos fortes e frágeis que os resultados apontam?

Maristella Iannuzzi

Bom, em primeiro lugar, obrigada Margareth pelo convite. Estou muito feliz de estar aqui representando a Rota VCM, que é um projeto ainda embrionário. Começou em outubro do ano passado com a parceria de muitas empresas que eu nem vou ficar citando muitos nomes, se não eu vou ser injusta, porque eu vou acabar esquecendo alguém. Mas, principalmente, com um grande apoio da ONU Mulheres, e do próprio Movimento Mulher 360. A pesquisa foi liderada pela Talenses.

Bom, conforme você acabou de mencionar, é um tema muito delicado, muito triste e que infelizmente ele só cresce no Brasil. E sim, é um é uma preocupação hoje no mundo corporativo, porque além de impactar socialmente, ele impacta dentro da performance dentro do dia a dia da empresa.

E a empresa como acolhedor da sociedade tem um papel muito importante, mas a pesquisa em si, traz números muito tristes ainda. Nós fizemos a pesquisa, lideramos essa pesquisa no segundo semestre do ano passado, e tivemos uma adesão surpreendente. Isso já mostra que as empresas já começam a falar sobre o tema e a se interessarem. Foram 311 empresas que responderam à pesquisa, mas o lado triste é que dessas 311 empresas, a gente tem 68% que responderam dizendo que não fazem absolutamente nada sobre violência contra a mulher, tanto em assédio quanto em violência doméstica. E se a gente for mais criteriosa nesse número, a gente soma também aquela que respondeu que não sabe, porque se não sabe é porque também não faz nada.

Então, em resumo, a gente tem praticamente 80% das empresas hoje que não fazem absolutamente nada. Daqueles 20% que fazem, já estão fazendo o trabalho com canais de denúncia, ouvidoria, dando apoio psicológico, dando apoio jurídico, mas nós estamos falando de 10% dos 20% que fazem alguma coisa. Então isso é muito pouco. Ainda é um tema que as empresas têm muito receio de iniciar.

Vimos com a pesquisa que o tema diversidade e inclusão já é um tema disseminado dentro do mundo corporativo. Muitas empresas falam já sobre diversidade, mas esse tema de violência ainda é um tema delicado e que não está liberado para ser tocado dentro das companhias.

Margareth Goldenberg

É muito interessante, porque numa pesquisa focada com as empresas associadas, com as 62, que a gente tem uma pesquisa que vai acompanhando. A gente mostra um dado muito coerente como esse que a Mari está falando. Mas lembrando, eu sempre falo que as empresas associadas do Movimento são meio que a nata das empresas em termos de envolvimento com o tema. São as empresas mais envolvidas com o tema da equidade, porque se associar ao Movimento já é uma forma de demonstração disso. Ou seja, elas estão ali na ponta do desenvolvimento. Quase 90% delas têm canal de ética para atender a questão de assédio, de violência, e o encaminhamento disso é muito bem estabelecido. Aí a pergunta seguinte é: o que você faz efetivamente em relação às denúncias, para que se iniba, para que se mude? Não basta abrir o canal para que as funcionárias falem. O que você faz? E aí cai em termos de ações afirmativas direta, vai para 40%, mas é o caminho.

O primeiro passo é o canal, é você dar a possibilidade das funcionárias poderem conversar sobre a questão e ter um acolhimento de como você disse. E o segundo passo é, “Ok, então agora o que é que eu vou fazer em relação a isso?”. E um outro receio, até queria aproveitar e passar a bola aqui para para Fernanda, que eu vejo nas empresas, quando eu converso é “mas será que, é bem aquela frase, que nós, empresas, deveríamos meter a colher no relacionamento, na violência doméstica?”. Porque uma coisa é assédio dentro do ambiente corporativo, tem que estar protegido, mas será que nós temos algo a fazer ali? E eu acho que essa resposta e esse questionamento levou muito à Coalizão. Então, Fernanda conta um pouquinho para nós é qual que pode ser o papel, como que a Coalizão tem agido para engajamento das empresas nessa temática.

Fernanda Cabrini

Primeiro, Margareth muito obrigada aqui pelo convite. É um prazer imenso estar aqui com você e com as nossas colegas para debater esse tema que é tão importante.

Pensando um pouquinho, a Avon é a empresa da mulher. E sim, diversidade é sempre uma pauta. Acontece que nosso investimento social sempre foi focado em causas correlatas: saúde e enfrentamento à violência... e para nós, tudo bem. Décadas trabalhando esses temas até que nos deparamos com uma questão interna que nos provocou a pensar coerência. Infelizmente, uma funcionária nossa foi vítima de feminicídio, e isso nos fez pensar justamente quanto esses canais que já existem para acolhimento das demandas estavam voltados a dar suporte para a mulher vítima de violência — não necessariamente dentro do ambiente de trabalho, mas fora dele, e que busca na empresa um espaço de suporte e acolhimento.
Então, foi de fato um momento de muita reflexão que nos mobilizou para iniciar um plano de ação interno e, que agora tem se expandido bastante com a Coalizão, para criar canais efetivos de acolhimento e suporte a essa mulher, fazer treinamentos, oferecer capacitação e campanhas para se falar sobre isso dentro da empresa, e não só fora.

Pensando nisso, o Instituto Avon, em parceria com a ONU Mulheres e a Fundação Dom Cabral, criou a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas. É um convite para que outras empresas se juntem e se mobilizem também, em prol de oferecer para as suas funcionárias. E aí é muito interessante porque temos um número crescente de funcionárias nas empresas e, portanto, infelizmente, um número crescente de potenciais vítimas, né? Para oferecer, de fato, ações e canais, e estarem mobilizadas com o objetivo final de ter o fim da violência contra mulheres e meninas, dentro e fora do ambiente de trabalho.

Atualmente são mais de 100 empresas que se juntaram à iniciativa, que eu acho que é um reflexo superinteressante da pujança que o tema traz. Infelizmente é um tema que está estampado nos jornais. É um tema que a sociedade tem essa necessidade de falar. E agora a Coalizão, ela segue os seus trabalhos estruturados em 3 eixos que mobilizam as empresas.

O primeiro deles é, de fato, o enfrentamento ao assédio, então a tolerância zero a qualquer tipo de violência que acontece dentro do ambiente corporativo. O segundo deles é focado em campanhas de sensibilização e engajamento. Então, como de fato trazer o tema à tona, fazer capacitações, fazer treinamentos e, de alguma forma, instrumentalizar os funcionários a direcionarem os canais que as empresas já têm, como a Margareth pontuou, para de fato se tornarem medidas de acolhimento e suporte para encaminhamento dessas mulheres. Em nenhum momento ela pretende substituir as responsabilidades que o setor público tem na tratativa para o tema das políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, mas complementar e juntar forças, de fato, com todas as empresas que a gente sabe que estão focadas em aumentar seu impacto social e econômico.

Margareth Goldenberg

Muito bacana, Fernanda. Discutimos também no último 'Diálogos com Associadas' o papel que vai além dessa proteção inicial, acolhimento e encaminhamento. Potencialmente, colaboradores — principalmente aqueles de empresas com marcas muito femininas, como Avon, e a gente tem várias outras que lidam diretamente com a mulher como cliente principal — como as próprias colaboradoras podem ser multiplicadoras desse conhecimento, né? A gente estava vendo ali em matérias, como profissionais de beleza — seja as que revendem produtos, seja as que atuam como manicures ou cabeleireiras — são quase terapeutas informais no dia a dia. A gente vai ao cabeleireiro, conversa, às vezes por anos, né? Você tem uma revendedora de 10 anos, uma manicure de 15, com um repertório. Isso porque eu fiquei muito encantada com os materiais da Coalizão, que são muito simples e práticos. Então, aquele material pode também ser usado para multiplicar conhecimento, porque eu posso proteger a mim mesma e posso orientar uma cliente ou uma compradora de produtos que sofreu uma violência, onde procurar, quem procurar e o que fazer. A gente tem um potencial. Estou falando isso, porque é bom a gente saber que nós estamos avançando, mas que a gente pode ainda ter um esforço ainda maior do mundo corporativo para essa questão. Acho bem bacana.

E aí, eu queria agora ouvir um pouco da Letícia, porque o escritório Mattos Filho tem um trabalho consistente focado na questão da violência e das mulheres vítimas de assédio. Conta um pouquinho para nós como vocês se estruturaram e como é o trabalho de vocês, Letícia.

Letícia Vella

Margareth, é um prazer estar aqui. Mari e Fernanda, obrigada por estarem compartilhando um pouco dessa conversa sobre um tema que é tão importante e tão caro, para que a gente consiga refletir práticas tanto para dentro das empresas quanto para fora, não é? Como é que a gente atende o público de fora. O Mattos Filho tem uma prática de longa data que é de atendimento voltado — não é atendimento gratuito — especificamente, no início, para organizações da sociedade civil que não teriam como custear o pagamento de serviços advocatícios. Com uma mudança recente até no posicionamento da própria Ordem dos Advogados do Brasil sobre a possibilidade de atendimento de pessoas físicas formou se uma equipe de advogadas, atualmente somos em 4 advogadas, 4 estagiárias e uma coordenadora, que é a Bianca Wax, que são 100% do tempo voltadas ao atendimento de causas de interesse público. As temáticas abordadas são específicas, basicamente a gente atua com direitos dos refugiados e refugiadas, LGBT, direitos étnicos raciais, justiça criminal, cidadania, gestão pública, inovação e política e, por fim, direitos das mulheres, que é a área em que eu atuo com maior dedicação.

Eu fico voltada basicamente ao tema e dentro desse campo, a nossa atuação, ela é voltada para dois públicos diferentes. Então a gente continuou permeando atendimento a organizações da sociedade civil que atuam com a pauta de gênero, nos seus diversos aspectos. Então, por exemplo, atendemos alguns meios de mídia que falam sobre gênero, por exemplo, organizações que fornecem capacitação para mulheres, especificamente no fortalecimento dessas organizações que geralmente, especialmente quando estão em sua fase de início, não tem como custear um serviço de advocacia gratuita para se fortalecer e, posteriormente, caminhar com as próprias.

E além disso, a gente também tem um serviço voltado para o atendimento de pessoas físicas. Nesse campo, o atendimento já é voltado para mulheres em situação de violência de gênero. Para trazer um pouquinho dos exemplos das atuações que a gente faz — acho que para casar e também conversar com o tema que a gente está trazendo aqui, que é do assédio —, a gente recentemente atuou num caso e continua atuando nas implicações desse caso, relacionado a um assédio ocorrido dentro de uma universidade brasileira.

A universidade não possuía meios suficientes para conseguir atender e enfrentar o problema. Havia poucos espaços de acolhimento e de responsabilização do responsável pelo assédio. Nós assumimos o caso em diversas frentes: tanto fazendo atendimento dessa mulher, dessa aluna que estava em situação de violência, como também produzindo uma pesquisa que mapeou, em todo o mundo, políticas de enfrentamento à violência de gênero e assédio dentro das universidades. Isso para que ela sirva de subsídio para que as universidades consigam construir políticas voltadas ao enfrentamento da violência de gênero, para que casos de assédio como esse não se repitam. Porque infelizmente o que a gente conseguiu notar é que, em países — é, fora o Brasil —, em geral, as políticas de enfrentamento à violência de gênero são bastante interessantes e bastante consolidadas. Mas quando a gente olha para as universidades brasileiras, o tema é muito iniciante, né? A gente basicamente não tem canais de denúncia; a gente basicamente não tem nenhuma política de acolhimento a essas mulheres. Elas não sabem para onde ir, como denunciar. Se querem denunciar, se às vezes só querem medidas de proteção. Fazer uma mudança de um possível orientador ou orientadora, ou não mais fazer a aula daquele professor ou professora ao qual ela ficou exposta. Basicamente o atendimento e os serviços jurídicos gratuitos fornecidos pelo Mattos Filho tem esse foco quando se fala de direitos das mulheres.

Maristella Iannuzzi

É interessante quando você fala dessa parte do que o público do exterior já faz, no caso o que as universidades fazem, porque quando a gente compara, por exemplo, dentro da nossa pesquisa, verificamos que, das 311 empresas, 64% delas eram empresas voltadas para a área de serviços e 28% eram indústrias. O comércio representava bem pouco. E desse número de empresas, 70% são grupos internacionais. Então, a gente percebe que lá fora já vem trazendo essa informação e já vem de uma maneira até que top down, investindo no tema aqui no Brasil. Até porque isso não é um problema nacional; é um problema mundial.

Margareth Goldenberg

Um problema global.

Maristella Iannuzzi

Um problema global. Realmente, como foi no passado com a diversidade, que chegou ao Brasil através das empresas multinacionais e globais, hoje o tema de assédio e violência contra a mulher também avança por conta das globais.

Margareth Goldenberg

A gente percebe, com os dados também das empresas associadas, que quanto mais tempo você se dedicou ao tema, porque a gente também é bem heterogêneo no grupo… Então, eu tenho empresas que estão, sei lá, 15 anos trabalhando com o tema equidade, incluindo violência, e outros que se associaram ao Movimento para poder aprender como faz.

O que a gente consegue correlacionar é o tempo de dedicação ao tema aos resultados efetivos. Parece uma correlação óbvia, mas é bem interessante. Empresas que estão, de 10 a 18 anos, que a gente tem trabalhando com o tema, o número de mulheres na liderança e nas áreas de exatas vai sendo equilibrado. Isso se contrasta com aquelas que estão com zero há 3 anos. Um número menor, quer dizer. E isso mostra também o quanto é importante — vamos dizer, o cerne, eu costumo dizer que é o tesouro do Movimento Mulher — é fazer, sistematizar e fazer circular o conhecimento.

O podcast, inclusive, é uma dessas ferramentas. E ouvindo muito sobre a Coalizão que tem também essa matriz de pensamento, mostra que não é necessário que a gente, as empresas, quebre a cabeça sozinha sobre como lidar com isso. Isso vai atrasar muito nossos avanços. Entender como benchmarks, conhecimento, coalizões, movimentos, onde a gente possa unir esforços, competências, conhecimento para acelerar mais. Porque enquanto a gente não acelera, tem mulheres sendo assediadas, violentadas e sem acolhimento. Então, isso mostra muita urgência de como a gente pode avançar, né, nesse tema.

Fernanda Cabrini

Nessa linha, Margareth, é muito interessante esse ponto de não haver a necessidade de reinventar a roda e trabalhar de fato com as empresas que já estão há mais tempo nessa jornada. Elas têm o benefício de já terem 'quebrado a cara', entendido o que funciona e o que não funciona e que agora têm, por exemplo, com a Coalizão, a oportunidade de compartilhar. Eu vou dar um exemplo bastante pontual de uma prática colaborativa que a gente fez.

Durante os 21 dias de enfrentamento à violência contra a mulher do ano passado, a Coalizão lançou a primeira campanha conjunta. Ela foi muito introdutória porque, obviamente, tinham empresas da Coalizão que nunca tinham falado do tema. Mas foi provocativa o suficiente para fazer um convite: tanto para quem é vítima de violência contra a mulher encontrar os canais — ela trabalhou com a ideia de que são necessários 21 dias para mudar um hábito — quanto para a mulher que é vítima de violência encontrar os canais, um ponto que a Letícia trouxe na fala dela, sobre a dificuldade de pensar 'OK, mas o que eu faço? Por onde eu começo?', como também para a pessoa que não é vítima de violência, mas que conhece alguém que está passando por alguma situação de violência, saber como orientar. Então, o mote dela era 'Violência contra a mulher é da nossa conta', óbvio. Ela começou pelo princípio mais básico, que a gente sabe ser crucial para o engajamento do setor privado: dados econômicos. Então, provou, por A mais B, o custo econômico e assustador que a violência contra as mulheres traz para a economia mundial, especificamente para o Brasil. A partir daí, um convite à ação, com uma cartilha em uma linguagem muito simples, porque é um tema difícil, mas falar de um tema que é difícil, mas que é tão universal, exige uma linguagem que permeie por todo o mundo. É uma questão que não tem classe social. Isso a gente já sabe, mas é sempre bom retomar.

E foi muito interessante porque a campanha, num primeiro momento, teve a adesão de 50 empresas que adotaram a cartilha, a comunicação visual, as peças, e as soltaram para os seus funcionários. Algumas fizeram eventos com seus funcionários de fato para trazer o tema. Então, em ambientes onde a gente imaginava que não necessariamente o tema fosse ser abordado, a gente conseguiu ver a Coalizão, e aí basicamente sob a liderança de fato de pessoas que vêm a necessidade de tratar desse tema, de cascatear isso para muitas e muitas outras empresas, sem necessidade de reinventar a roda, com material pronto à disposição.

Maristella Iannuzzi

Ainda na linha de não reinventar a roda, a Rota VCM surgiu disso. Na verdade, o Instituto Marcelo Godoy fez um evento no ano passado sobre violência contra a mulher para arrecadar fundos para doar ao Instituto Maria da Penha. Desse evento surgiu a necessidade e a solicitação de várias empresas questionando como, a partir daquele evento, nós poderíamos dar continuidade a esse tema. E aí a ideia começou com a sugestão: 'Ah, vamos fazer uma cartilha?'. Então, está bom, nos juntamos lá umas três ou quatro executivas malucas, que acharam que iam inventar uma cartilha. Só que, quando nós começamos a observar, existiam milhões de cartilhas fantásticas e que não havia necessidade nenhuma de fazermos uma nova cartilha.

E aí, quando nós começamos a buscar, percebemos a quantidade de material sobre o tema, que estava pulverizado. E aí nós falamos: 'Não, vamos fazer o seguinte: ao invés de criarmos um documento, vamos montar uma plataforma onde juntamos em um único local todo tipo de informação que possa ajudar todo o universo da violência contra a mulher — ou seja, a própria vítima, o homem, que precisa ser norteado'. Muitas vezes o homem passa por uma situação que ele não sabe se está assediando ou não, até onde ele pode ir nessa transformação, o que é importante, né? Ele deixa de ser o vilão e passa a ser o herói, num limiar muito pequeno. E a própria vítima, o homem, a empresa, a família e a sociedade.
Principalmente o problema, porque, infelizmente, temos estatísticas que comprovam que 35% das mulheres no mundo já foram vítimas de violência contra a mulher. E quando falamos isso, as pessoas dizem: 'Não imagino isso, é impossível'. Por quê? Porque normalmente as pessoas acham que violência contra a mulher é o olho roxo. Só que o olho roxo, na verdade, é o penúltimo passo, porque o último é o feminicídio. Mas, na verdade, a violência contra a mulher começa, como você bem disse no início, na introdução, Margareth, começa em casa com uma frase agressiva, com um grito, com uma privação.

Então, explicar o que é a violência, o que é o assédio, é tão importante. A plataforma surgiu dessa união de conteúdos fantásticos que já existem. Nós não produzimos, — para não dizer que nós não produzimos —, no final, quando a plataforma já estava pronta, nós dissemos: 'Poxa vida, mas já que nós iniciamos todo esse trabalho pensando na tal cartilha, vamos fazer uma cartilha nossa e colocar aqui na plataforma para quem quisesse baixar o PDF e poder compartilhar com as suas colaboradoras'. Mas, então, é realmente importante lembrar que tudo que a gente fala sobre diversidade e inclusão é importante, e lembrar que o benchmark e o 'copy paste' são a melhor ação.

Margareth Goldenberg

É para gente poder caminhar mais rápido, avançando com os erros e acertos.

Uma coisa que a Fernanda falou, que eu queria só repetir, é sobre saber o nosso papel, porque isso também, na ânsia de fazer o melhor, claro, muitas vezes a gente atropela o Ministério Público, que tem feito um trabalho relevante no tema, algumas unidades até de outros estados, e a própria sociedade civil.

Quando eu estava vendo aplicativos para denúncia, são coisas simples, mas que ajudam muito a chegar a essa união de esforços. E eu acho que você, Letícia, trouxe um ponto importante que eu pelo menos vi pouca abordagem em relação à violência nas universidades, mas que faz total sentido com as análises que a gente faz de outros temas. Por exemplo, o próximo tema do nosso podcast é a questão das mulheres STEAM (Science, Technology, Engineering and Maths) e eu tenho conversado muito proximamente com a Associação Brasileira de Ciências e tal sobre o desafio que as mulheres têm já na formação. Salas de aula que muitas vezes, a Mari mesmo fez engenharia, pode dizer quantas mulheres tinham numa sala? E a convivência com os homens e os professores que aproveitam isso e o quanto as mulheres se submetem, e o quanto isso faz a gente desistir dessas carreiras, né? Que a gente justifica que não tem mulher engenheira, mulher tecnóloga, porque nós não temos ambições, porque também pode até justificar a forma como fomos criados e tal. Mas tem uma questão de ambiência mesmo, né? O quanto a gente é ouvida? Convive às vezes até com questões de infraestrutura, como banheiro, localização, eu acho que é um tema ao qual vou até me dedicar para estudar um pouco melhor. Assim, não tinha pensado nesse aspecto, quanto pode ser muito forte também para impactar o desafio das mulheres conviverem nas universidades. Não é muito interessante esse resultado? Depois a gente podia pensar em divulgar um pouco melhor esse retrato. Olha o problema para a gente poder resolver juntos. Vocês têm divulgado essa pesquisa?

Fernanda Cabrini

Na verdade, compartilhamos essa pesquisa com a Defensoria Pública para subsidiar a atuação estratégica do núcleo de defesa e promoção dos direitos das mulheres, para que eles consigam desenhar uma estratégia para propor às universidades que construam uma política efetiva de enfrentamento à violência de gênero. E, puxando um pouco o gancho sobre não precisar reinventar a roda, penso que nem para as ações voltadas ao público externo precisamos inovar tanto. Então, o Mattos Filho não precisou reinventar a roda quando optou por fazer um pro bono voltado para os direitos das mulheres. O que fizemos foi aproveitar a expertise que já tínhamos dentro do escritório e engajar os advogados e advogadas que atuavam, por exemplo, em mercado de capitais para pensar como funciona a política de enfrentamento à violência de gênero. Olhar para as políticas públicas e entender quais pontos da Lei Maria da Penha poderiam ser mais protetivos. Analisar como o judiciário responde à violência de gênero e como podemos dialogar com o Ministério Público e a Defensoria Pública para realizar um atendimento integral para essas mulheres.

Então, acredito que muito mais do que fazer benchmarking para construir internamente políticas de enfrentamento à violência de gênero, quando olhamos para fora, podemos aproveitar os conteúdos e conhecimentos que já temos para oferecer ao público externo. Temos outras experiências também de empresas que observam: 'Qual é o meu produto? Se eu oferecer esse tipo de produto, talvez uma assessoria para algumas organizações que atendem a pauta da violência de gênero, eu também poderia fortalecer a pauta por meio da sociedade civil'. Assim, como podemos utilizar o conhecimento que já temos e que já aplicamos para voltar às ações que tenham esse cunho de redução da desigualdade de gênero.

Margareth Goldenberg

Muito bacana. Eu queria muito agradecer. Acho que o que nos une, tanto nós aqui debatendo o tema, quanto as empresas do Movimento Mulher 360, as empresas ali que estão na Coalizão — muitas são as mesmas —, é essa crença de que há um papel, uma função social importante para as empresas no Brasil em relação à equidade, à diversidade, em promover mudanças e cidadania.

Pesquisas mostram que há uma crença da população nas empresas e nos CEOs das empresas como agentes legítimos para transformar, ajudar a transformar a sociedade, além de fornecer produtos e serviços de qualidade, de pagar impostos e funcionários. Ainda teria isso, e o jeito melhor de estarmos aqui é aprendendo e levando para vocês os caminhos que conseguimos compartilhar de práticas sistematizadas e organizadas. E aí eu queria que passasse aqui pelas nossas convidadas para dar um recadinho final, já agradecendo a participação de vocês.

Maristella Iannuzzi

Bom, mais uma vez, super obrigada pelo convite. Uma honra estar aqui abrindo essa série de podcasts do Movimento. Meu recado é: como tudo no tema diversidade e inclusão, ele gera uma grande expectativa e uma grande ansiedade.

E nesse tema, exatamente por ser extremamente delicado, é importante que as empresas que iniciem o trabalho tomem o cuidado e tenham a delicadeza de se nutrir de profissionais sérios que saibam trabalhar exatamente com o tema violência contra a mulher.

É muito importante que, quando a gente fale da área jurídica, esteja se referindo ao jurídico pautado na violência contra a mulher. Quando a gente fale da área de psicologia, que sejam psicólogos voltados para essa área. Porque, infelizmente, normalmente na área de diversidade e inclusão, ainda em muitas empresas, é tudo muito voluntário e a gente faz com muito amor, com muita paixão, mas ainda com pouco profissionalismo e com pouco embasamento. E aí a gente acaba colocando os pés pelas mãos.

Então, se eu posso deixar uma mensagem, é que utilizem o benchmark, e que esse benchmark seja utilizado inclusive para direcionar para bons cases, para bons profissionais, para bons exemplos de etapas. Você não muda isso do dia para a noite. E com calma, com delicadeza, com cuidado, a gente vai conseguir tratar desse tema e acolher as nossas mulheres cada vez mais e cada vez melhor. Obrigada.

Fernanda Cabrini

Eu acho que, pegando um pouco carona aqui no que a Maristela trouxe, violência contra a mulher é um tema complexo e que exige soluções complexas. Não dá para gente ir com soluções simplistas achando que de fato tem uma fórmula para resolver.

Acho que a Coalizão aqui vem com uma proposta de oferecer um benchmark para você que está ouvindo e que integra de alguma forma uma corporação; fica o convite para integrar a Coalizão. Mas mais do que isso, eu acho que a fala da Margareth me inspirou muito para a gente pensar um pouco na nossa função social, não é?

Então, se mulheres são mais da metade da sociedade, nós temos outras funções sociais além de sermos funcionários das empresas — seja como colega, como pai, como filha, como pessoa que de alguma forma tem uma interação com mulheres —, a gente precisa pensar em entender esses sinais que antecedem a violência, naquele sentido mais da agressão.

Nos seus estágios iniciais, tentar entender esses primeiros sinais e oferecer apoio. E para isso, usar todos esses recursos que falamos, que estão já à disposição, e ir atrás de informação. E acho que também envolver os homens. A gente está falando de uma questão que é um problema da sociedade. A gente vê muitas mulheres liderando essas iniciativas, às vezes também, como nos grupos de diversidade, é a população da diversidade que está liderando as iniciativas, mas são problemas de todos e que as soluções complexas só vão se realizar se todos se engajarem. Então, acho que o convite que fica é esse.

Letícia Vella

É... bom, desafio encerrar depois de falas tão contundentes, e acho que é, na verdade, mais ecoar do que inventar a roda. A gente falou tanto disso, de se inspirar nas atividades de outras empresas, fazer o benchmarking para que a gente consiga aplicar coisas que já estão funcionando. Reforçar que exatamente o atendimento de mulheres, no caso do pro bono, tem que ser pensado como uma área especializada. Daí porque a gente escolheu a temática, porque eu sou advogada, que sou responsável somente por isso e tenho uma trajetória em direitos das mulheres. Acho que muito disso, porque a atuação tem que ser responsável.

Ecoando um pouco com o que a Mari falou, não é inventar do zero e coisas novas sem pensar, mas como que a gente se apoia em outras pessoas, em outras profissionais que já têm uma trajetória na temática e que podem trazer soluções que são muito possíveis de serem aplicadas, apesar de complexas. Acho que esse é um ponto bastante importante também trazido pela Fernanda, de que não é um problema simples de ser solucionado, mas é um problema de todos. A gente precisa do engajamento das empresas, dos homens e mulheres, para que a gente repense como que vamos enfrentar a violência de gênero como um problema social.

Margareth Goldenberg

Muito bom. Acho que conseguimos iluminar alguns caminhos, e fica aqui o chamado para a participação nesse tema e as trocas.

Esse foi o primeiro podcast do Movimento Mulher 360. Aqui queremos compartilhar conhecimento, práticas, inspiração para que você intensifique e qualifique essa conversa na sua empresa e também seja um agente de transformação.

No próximo episódio, vamos falar sobre o tema: desafios e estratégias para atração e contratação de mulheres nas áreas de engenharia e tecnologia. E você que acompanhou esse episódio, me conta se gostou ou não. Eu quero saber sua opinião, outros temas, outras formas de debate. Mande a sua mensagem pelos nossos canais nas redes sociais ou pelo e-mail contato@movimentomulher360.com.br.
Te aguardo no próximo.

Trilha sonora