Transcrição do episódio
Trilha sonora
Margareth Goldenberg
Olá, seja bem-vinda, seja bem-vindo. Eu sou Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360, e este é o nosso podcast. Aqui discutimos ideias e práticas que ajudam a promover a equidade de gênero no mundo corporativo, junto com nossas convidadas e convidados, profissionais das empresas associadas.
Neste episódio, vamos falar sobre a importância da participação dos homens nas iniciativas de equidade de gênero, diversidade e inclusão. Os avanços nesse tema ainda se dão a passos lentos e, para acelerar resultados, é necessário unir esforços de todos os lados, a fim de criar um mercado mais próspero e inovador, onde haja espaço para todas as pessoas.
Trilha sonora
Margareth Goldenberg
O desafio da equidade de gênero é um assunto de todos, e, necessariamente, todos precisam estar envolvidos nessa jornada, não só mulheres. Os homens ainda são a maioria em posições de liderança e responsáveis por grande parte das tomadas de decisão. Também por isso é essencial envolvê-los nesse debate; muitas vezes, eles se sentem excluídos, ou não sabem bem como participar e qual é o seu papel. Como tornar os homens aliados da causa e também modelos a serem seguidos por outros homens?
Hoje estou com Leila Santos, gerente de RH, diversidade e inclusão na PepsiCo; Luana Suzina, líder de diversidade e inclusão; Allan Fernandes, coordenador de CMI e membro do UniMen, grupo de afinidade para homens da Unilever; e também Adriana Carvalho, diretora associada de diversidade e inclusão da EY. Eles vão contar sobre as iniciativas inspiradoras que estão desenvolvendo nas organizações para trazer mais homens para o diálogo, engajá-los de forma profunda e genuína.
Começo nossa conversa com a Leila. Bem-vinda, Leila! Muito bom ter você aqui conosco. A Leila está envolvida em ações da PepsiCo para o desenvolvimento de lideranças masculinas e femininas, focado no aprofundamento dos temas de equidade e diversidade. Leila, conta para a gente sobre a evolução desse trabalho, em especial o envolvimento dos homens nesses temas.
Leila Santos
Bom, gente, então, Margareth, muito obrigada. Obrigada pelo convite para que eu possa estar aqui representando a PepsiCo e todas as pessoas que fazem a nossa diversidade, equidade e inclusão. Essa jornada por aqui começou há bastante tempo; a gente tem a área de diversidade na PepsiCo global desde 2005, e aqui no Brasil ganhou grande reforço quando instituímos a área de diversidade em 2016.
Hoje nós temos 47% de mulheres nas posições de liderança e 54% do nosso comitê executivo é composto por mulheres. Mas sabemos que ainda temos um caminho pela frente para cumprirmos nossa meta de 50% de mulheres em posições de liderança até 2025.
Esse ano também assumimos mais um compromisso, que é de termos 30% de talentos negros, pessoas negras, nos cargos de liderança. E isso também posicionou a gente na busca pela interseccionalidade, que sabemos ser bastante desafiadora. Então, a nossa busca por mulheres negras nessas posições de liderança também é algo que tem sido pauta diária aqui para nós, dentro da área de diversidade e assim como da PepsiCo como um todo, porque é um compromisso que a gente exercita aqui em todas as áreas mesmo, para que possamos elevar o nível do nosso talento, da nossa diversidade.
E por conta disso, como temos a maioria de homens nas nossas posições de liderança, sabemos que ter esse apoio, tê-los como aliados, é bastante importante. Como fazemos isso? Criamos espaços onde mulheres sejam valorizadas e tenham oportunidades iguais de crescimento. Para isso, precisamos que homens assumam esse papel também de encorajamento e apoio. Não somente das lideranças — quando falamos nisso, normalmente focamos muito na liderança —, mas também olhar para os seus pares, para os parceiros, os clientes.
Todas as pessoas com quem essas mulheres trabalham no dia a dia devem contribuir para que consigamos de fato ter essa equidade de gênero. Nosso trabalho é muito voltado para a conscientização dessas pessoas para afirmar que mulheres e homens são capazes. Elas precisam de apoio para que possam ter e alcançar o que desejam em suas carreiras: oportunidades para que possam estar nos lugares onde quiserem, sem viés e sem preconceitos. Por isso, o mote do nosso Empodera, que é nosso grupo de afinidade de gênero aqui na PepsiCo, é 'Lugar de mulher, é onde ela quiser'.
Uma das nossas estratégias aqui, que inserimos no tema do papel do homem, é ter um grupo de afinidade que está ali para falar e discutir, colocando muito desse tema em discussão e reflexão. Além disso, temos programas que integram nossa estratégia de diversidade, equidade e inclusão aqui na PepsiCo. Temos o pilar de aumentar a diversidade, onde implementamos programas de entrada e estabelecemos metas de participação de mulheres, para garantir representatividade feminina. Também focamos nas nossas shortlists, o que já tem grande influência, porque a maioria dos hiring managers, dos contratantes, são homens. Realizamos conscientização para que eles possam contribuir conosco.
Nesse sentido, temos também uma iniciativa chamada 'Vendas por elas', pois é uma área nossa que ainda tem, em sua maioria, homens. Queremos ampliar a quantidade de mulheres no nosso time de vendas. É um dos nossos programas que conta muito com os homens como aliados.
'Somos por elas' é um dos programas que buscam o desenvolvimento de mulheres e que também contam com a participação de homens nessa discussão para a equidade de gênero. Em outro aspecto da nossa estratégia, que é a promoção do ambiente inclusivo, realizamos rodas de diálogos, webinars. Estamos sempre conversando com esses homens para discutir o papel deles. Para que possam refletir e desenvolver empatia pelas dificuldades que as mulheres enfrentam, diferentes dos homens, para que eles percebam e se deem conta das oportunidades e dos privilégios distintos que existem.
Também atuamos muito com as nossas parceiras. Trouxemos a Yasmine Sterea, que é uma forte parceira nossa do Instituto Free Free, para falar sobre isso também. Para que possamos ter essa reflexão sobre não apenas ter essas mulheres aqui dentro, mas também sobre expressões machistas e sexistas que sabemos que podem ocorrer no dia a dia. E trazer também a compreensão de que não estamos falando em tirar os homens, não estamos falando de exclusão. Estamos falando de ter diversidade, que é estratégico para as nossas empresas. É sobre isso que estamos falando; queremos apenas trazê-los como aliados.
Margareth Goldenberg
Obrigada, Leila. Deu para você falar de 'A' a 'Z'. Foi uma conversa muito boa e realmente é complexo; precisamos mexer com todos os pontos de contato e envolver todos os participantes. É muito bom te ouvir. Eu queria conversar com a Luana e o Alan.
Olá, Luana e Allan, bem-vindos. Hoje vamos falar um pouquinho sobre algo que ainda é bem novo nas rodas de conversa sobre equidade, que são os grupos de afinidade de homens. Esse é o grupo mais recente da Unilever, mas já é possível perceber alguns resultados bem legais do estímulo ao diálogo entre homens.
Luana, quais os temas vocês estão debatendo? Como surgiu essa iniciativa e como vocês fazem para garantir que essa conversa seja educativa e proveitosa? Bem-vinda.
Luana Suzina
Obrigada, Margareth. É sempre prazeroso poder voltar aqui e conversar sobre esses temas e essas possibilidades de fazer cada vez mais, convidando mais gente para essa conversa. E muito pensando nisso, porque decidimos criar, estimulamos a criação de um grupo de afinidade de homens.
Tendo chegado na meta de 50% de mulheres em posições de liderança, que alcançamos em 2018, entendemos que diversidade e inclusão precisam ser um movimento de todos e que precisa cruzar com todos os temas da diversidade. A interseccionalidade tem sido a nossa palavra-chave para todas as discussões de todos os temas. Quando paramos para pensar sobre isso, sobre interseccionalidade, sobre a importância de falar de como as ações se constroem no coletivo, fez muito sentido provocar a criação de um grupo de homens.
Os homens não podem ficar de lado. Nossa perspectiva era errada ao dizer para eles apenas 'senta e escuta'. Eles têm que arregaçar as mangas e vir trabalhar conosco também. Precisam participar dessa discussão, até porque os homens carregam muitos estereótipos. Sabemos quantas coisas são ditas sobre o que os homens podem ou não podem ser nesta sociedade. Adicionalmente, se eles estão em posições de poder, se têm o privilégio de ter suas vozes e suas presenças mais vistas e mais ouvidas, como podem usar isso para quebrar os próprios estereótipos que os machucam, mas também para levar as pautas dos outros grupos para frente.
E aí a gente fez um convite para os grupos. Falamos com os nossos funcionários: 'Seria muito legal criar um grupo de homens para poder somar à nossa conversa, para trazer essa perspectiva dos homens'. E aí tem a felicidade de poder estar com o Allan aqui, que foi o primeiro voluntário que disse 'Eu topo'. E aí Allan, acho que é muito legal você poder contar um pouco dessa jornada e como foi aceitar fazer, criar um grupo de homens do zero, que não tem muito benchmarking no mercado, não é?
Allan Fernandes
É engraçado que não tem um benchmark, mas quando se fala de ser humano, de coisa boa, de agenda cultural, acho que isso tem bastante benchmark. Para mim é uma continuidade. Aliás, quando falamos de diversidade sem a inclusão de todos os gêneros, a parte inclusão para mim envolve todos os gêneros. Inclusive até gosto de parafrasear aqui um dos voluntários do nosso grupo, que é um homem trans, ele fala que a importância desse grupo é tamanha de aceitar e você perceber que a gente nem fala, por exemplo, 'Ah, homem trans', são homens e ponto final. E acho que isso é muito importante, isso nas palavras dele. Então acho que isso é muito bacana, só para talvez começar aqui o discurso da importância de como ter um grupo desse, porque senão fica uma coisa assim, a maior parte não está envolvida, se não fica um bolo com ingrediente a menos. Não fica muito interessante.
Em fevereiro, a gente teve um papo sobre transmasculinidades. O pessoal do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) estava conosco, e a maior parte, homens cisgêneros, estavam lá. Eles ficaram maravilhados, assim, 'cara, quanta coisa que eu não soube — e eu trouxe isso para a minha roda pessoal'. Acho que isso é um grande desafio também: a gente vem com bastante gosto enfrentando o fato de que não é só falar para convertidos, não é só falar para a galera que sempre vai buscando sobre isso. Como é que a gente traz esse assunto para um pessoal que não está tão acostumado a lidar com isso? A gente pega, debate, problematiza, vai ressignificando vários termos.
Acho que a palavra 'ressignificar' é a palavra de ordem quando a gente fala de um grupo como esse e da lição de casa: a gente conversando com pessoas que não estão no coletivo, com outros homens. E aí, por sua vez, isso vai gerando um ciclo virtuoso do bem, porque senão fica aquela coisa, fica quase um book club, sabe? Como é que você estende isso? Então, isso que é o gostoso: é uma agenda cultural, e acho que para isso tem que ter bastante paixão.
E assim a agenda de diversidade e inclusão como uma agenda de reforma íntima. Como eu enxergo, tá. E só avançando um pouco mais na questão de interseccionalidade e quebra de barreiras, nós do grupo nos reunimos a cada quinze dias para debater vários temas de amadurecimento pessoal. Também temos discussões de projetos, sobre como a gente endereça isso junto com as demais frentes. Mas tão importante quanto discutir lá dentro, a gente procura ouvir mentes brilhantes, homens e mulheres, todos os gêneros do mercado. A gente costuma chamar a galera para tomar café conosco.
Esses dias, a Teresa Ruas, colunista da Crescer, da editora Globo, foi conversar conosco lá, foi falar sobre parentalidade. A gente vai trazendo essa galera e o pessoal nos inspira, nos ilumina. Depois eles vão embora e vem a nossa lição de casa: como é que a gente trabalha isso lá dentro, entre nós, membros, e mais do que isso, como é que a gente faz esses projetos com essas iniciativas, com as demais frentes.
E é um respiro, né? É um respiro igual ao símbolo da logosofia. Sabe aquela corrente filosófica argentina que é uma pessoa que se burila, que se constrói? Vocês já viram? Dá um Google depois.
É uma estátua aqui para quê? Para ter uma pessoa daqui para baixo é uma Pedra, então é é uma pessoa que se esculpe, né? É um projeto muito contínuo, né? Eu gosto muito da dessa parte do Buri, lá do esculpir, porque pode machucar. A gente está lidando com questões que a gente no nosso processo de educação na formação tradicional aqui do Brasil não lembro de ter visto sobre feminismo, por exemplo, né? A gente não lembra de ter falado sobre isso, não teve essa preocupação. Puta, você é homem. Se tem, você não está ligado o tanto que você tem que estudar, você tem que ouvir, né? O eu gosto que o Rubem Alves fala que tem muito curso de oratória, mas não tem escutatória, né? A gente não sabe ouvir bem, né? A gente fala bem, mas peço desculpa. Ouvir é difícil, né? Então aí como é que você faz pra você trabalhar? Então a gente não teve isso, né?
É uma estátua aqui. Uma pessoa e daqui para baixo é uma pedra, então é uma pessoa que se esculpe. É um projeto muito contínuo. Eu gosto muito dessa parte do buril, lá do esculpir, porque pode machucar. A gente está lidando com questões que a gente no nosso processo de educação formação tradicional aqui do Brasil não lembro de ter visto sobre feminismo, por exemplo, né? A gente não lembra de ter falado sobre isso, não teve essa preocupação. Puta, você é homem. Você não está ligado o tanto que você tem que estudar. Você tem que ouvir. O eu gosto que o Rubem Alves fala que tem muito curso de oratória, mas não tem escutatória. A gente não sabe ouvir bem, né? A gente fala bem, mas parece que para ouvir é difícil. Então como é que você faz pra você trabalhar? Então a gente não teve isso.
Conversando com a Lu Suzina, ela falou: 'Pô, vocês têm que mandar a bell hooks', que foi um dos livros que a gente debateu no nosso mini clube do livro. É lá que a gente vai trazendo livros sobre feminismo para debater entre os homens, e a bell hooks fala que o feminismo tinha que ser batido de porta em porta, igual um grande produto. Você tem que vender, não, você tem que convencer da importância dessa agenda. Você vai treinando, vai treinando, quando você vê, percebe: 'Caramba, eu sou bem fraco mesmo sem nada disso. Mas tamo aqui, né, cara'. Tamo aqui. Como diz no meu terreiro lá, o marinheiro fala que o bom navegante não é aquele que não erra a rota, mas aquele que corrige quando percebe que tá errado. Então não tem problema você errar, às vezes você vai errar. Você quer acertar? Você tá afim de acertar? Então a gente vai corrigindo. Acho que é um pouco dessas reflexões que a gente vai tendo quinzenalmente ou mensalmente, dependendo da agenda aí lá no nosso coletivo. Nossa, eu falei tanto.
Margareth Goldenberg
A sua energia também é ótima. A gente queria emprestar um pouquinho para fazer assim, ó, jogar para si.
Allan Fernandes
Que coisa boa. Pode usar. Poder usar. Não precisa devolver, não.
Luana Suzina
E é muito bom isso. Eu acho que tem um ponto muito bacana em todas as falas do Allan, que é muito novo para o homem descobrir a sua causa. Para os outros grupos é muito factível; já existe um contexto histórico, já existe uma definição, já existe o entendimento de qual é a sua causa. E quando a gente fala das questões dos homens, é por isso que é importante que eles tragam todos esses repertórios: falar de masculinidades trans, masculinidades negras. Porque o que é ser homem? E acho que esse é um exercício muito bacana que a gente fez no grupo um dia: o quanto a gente — e ninguém, não só os homens —, mas a gente não está preparado para responder se uma pessoa que passou em coma do minuto que ela nasceu até os 20 anos acordar e ela perguntar 'O que é ser homem? Eu decidi ser um homem. O que que eu preciso fazer?' A gente não tem nenhuma resposta que não caia no estereótipo. Então, ter todas essas discussões é muito importante para aumentar a consciência, poder endereçar e fazer alguma coisa e somar com os outros grupos, né? Então é muito texto, é muito contexto, é muita coisa que a gente fala, mas é tudo bastante construtivo.
Leila Santos
E acho que é sempre bom, porque o Allan traz a questão de poder machucar, né? E o quanto a gente precisa ser também espaço de acolhimento para essa dor. Nessas conversas, a gente precisa praticar sim, é necessário, indispensável, mas também ter esse momento de dizer: 'Gente está tudo bem.' Ser um espaço seguro de fala, para que quando surgir alguma dor como essa, a gente possa ver o grupo como um todo poder acolher e dizer para essa pessoa que 'sim, a gente segue aprendendo e crescendo com isso'. Muito bacana.
Luana Suzina
Muito, inclusive porque tem bastante resistência a um grupo de homens. Tem muito medo e muita resistência do tipo: 'Mas os homens já não estão em maioria nas posições de poder? Eles já não são ouvidos sempre? Eles não têm um lugar especial sempre?' Só que mudar a perspectiva de que lugar aonde você coloca esses homens, como é que eles fazem parte desse espaço, inclusive para dividir esse lugar que eles ocupam hoje. Então tem bastante resistência. Lidar com a dor é uma parte super importante, porque obviamente pode ter uma resistência que é bastante dolorosa.
Leila Santos
O quanto também eles não querem mais esse papel, de alguma forma são também interpretados, né?
Allan Fernandes
Sim, é uma agenda cultural. No final do dia, acho que a gente se entendendo, eu gosto muito dessa expressão 'Está tudo bem'. É uma expressão que, inclusive, tem amigos muito próximos que tatuaram ela, porque é uma expressão que realmente eu gosto bastante. Um dos nossos objetivos que a gente vai sempre definindo... o mundo é meio líquido, né? A gente vai adaptando 'Yes we go', porque é assim que funciona. Mas um deles é justamente conectar tudo isso com o bem-estar mental. Eu trabalho com pesquisa aqui na Unilever. A gente lida muito com comportamento e muito do que se discute, não só em redes sociais, mas num todo, é justamente essa parte do bem-estar mental.
Nas palavras da Mafoane, quanto menos óbvio a violência, talvez mais opressiva seja suas sutilezas nesse sentido. Como é que a gente vai pegando esses closes? Quando a gente está em palestras de feminismo, o pessoal fala muito no gaslighting. É justamente a sutileza que aquilo que vai minando, e é esse cuidado que a gente tem que ter. Por isso que é uma agenda cultural, são trabalhos que são feitos aos poucos. É paulatino, não dá pra gente pensar que daqui a 3 meses só vai ter homem desconstruído. Se alguém falar isso, está mentindo. A gente não quer os homens desconstruídos, cara, a gente quer se melhorar como um bicho humano, sabe? Vamos começar por aí.
Aliás, trazendo de novo bell hooks na roda, ela fala que é natural ter esse tipo de discurso de diversidade e inclusão, essa parte do ego, do status começar a entrar como se fosse um bichinho. Isso está no livro dela todo mundo deveria ser feminista, né? E assim, tem gente que só entra nessa roda porque o diretor entrou e ele responde pro diretor e quer sair bem na foto. Na minha visão, sendo muito sincero, tá tudo bem. Santo Agostinho falava que o umbral da porta pode ser profano, mas o passar dela é divino. Então não tem problema se você chega e tem algum interesse escuso, eu quero sair bem na foto, velho, no final do dia, você está ajudando igual. Qual o problema?
Margareth Goldenberg.
Ótimo, Allan. O que você trouxe de muito especial, que a Luana reforça e a Leila também, é que acima de tudo nós estamos falando de uma transformação pessoal. Das próprias crenças, antes até de uma contribuição corporativa. Nós somos tudo isso misturado. Nós somos uma pessoa com as nossas crenças, com a nossa bagagem de vida, influenciando nossas decisões, e um influenciador também num ambiente corporativo para essa mudança cultural tão necessária.
Esses múltiplos papéis, eles meio que se misturam, e eu acho bárbaro quando você conta um pouco da sua jornada de transformação. Ela é muito inspiradora e muito especial. Muito obrigada, Allan e Luana. É sempre muito bom ouvir os esforços de vocês, os caminhos que vocês estão trazendo de micro revoluções que estão acabando por expandir para revoluções maiores.
Olá, Adriana, bem-vinda. Queria que você contasse um pouquinho como que vocês têm feito esse trabalho na EY, além de programas de mentoria reversa, que a gente vem acompanhando, os diálogos em prol do aprendizado. Eu sei que também iniciaram um grupo de afinidade para homens. Poderia contar um pouco dessa experiência de ter rodas de conversa exclusivas para homens a fim de debater diversidade, equidade. Quais são as percepções e os resultados que vocês têm alcançado com esse movimento?
Trilha sonora
Adriana Carvalho
É um prazer estar aqui. Acho que essas conversas trazem muita iluminação. A gente aprende ao ouvir a PepsiCo, a Unilever, e a gente vai trocando. Quando falamos das desigualdades de gênero, as pessoas tendem a pensar só nas mulheres: vamos falar com as mulheres, das mulheres, para as mulheres. E não pode ser assim. Essas construções de gênero colocam as mulheres numa caixinha, os homens em outras, e pessoas que não se identificam nem com homens nem com mulheres ficam sem caixinha. Então, quando falamos realmente nesse avanço, precisamos quebrar essas caixinhas. É fundamental que os homens façam parte dessa conversa.
A gente também fala que hoje, infelizmente, os homens ainda são a maioria nas posições de poder — normalmente homens brancos, héteros, de um certo padrão socioeconômico. Então eles precisam se engajar nessa conversa. E não é simples, porque como a gente conversa muitas vezes olhando do ponto de vista das mulheres, com as dores das mulheres, por mais que muitos sejam empáticos e queiram entender, não fazem sempre uma conexão pessoal. Então, dentro desse espírito do movimento da ONU Mulheres, do He for She, eles por elas e por todos e todas nós, desde o ano passado temos trabalhado muito a questão de trazer os homens. Como você falou, começou com a mentoria reversa, onde a gente leva o grupo de dez mulheres para falar com a nossa alta liderança — claro que falou com mulheres da alta liderança, mas temos muito mais homens ainda na alta liderança. E daí passou pelos diálogos, como você falou, então a gente trouxe essas informações.
Documentários como 'O Silêncio dos Homens', porque fala com os homens, 'The Mask You Live In'. Então vamos conversar com os homens, vamos mostrar o que é ser ou o que é participar dessa conversa, como isso afeta vocês. Mostrar a taxa de suicídio, número de anos de vida menor. Essa pressão por ser provedor, essa obrigação, mas também a oportunidade do cuidado.
Apoiamos a pesquisa da 4daddy para olhar como os pais estavam na pandemia, e agora estamos começando a trocar ideias com a Unilever. Mas a gente não está chamando de grupo de afinidade aqui na EY. A gente está chamando de grupo de trabalho, como aquele conceito da Catalyst, Men advocate for gender equality — então, os homens realmente advogando pela igualdade de gênero. Vai ser um grupo como o da Unilever nesse sentido, que é um grupo para os homens, onde eles vão conversar. Mas estamos posicionando muito frontalmente que não é conversa de bar, não é para as conversas tradicionalmente da caixinha dos homens.
É para os homens conversarem sobre esses aspectos que afetam eles e afetam a relação deles com as mulheres. Então, queremos homens mais felizes, melhores, com mais consciência, com mais entendimento das questões, para que eles possam se relacionar consigo próprios, com os outros homens e com as mulheres de uma maneira diferente. E assim avançar mais rápido com a igualdade de gênero. Acho que tem toda uma técnica de como trazer os homens, né? Não é uma coisa fácil.
Margareth Goldenberg
Como vocês fizeram? Quais foram as estratégias para engajar os homens? Houve uma adesão? Conta um pouquinho para gente como foi o processo de formação desse grupo.
Adriana Carvalho
Acho que a primeira coisa é identificar realmente qual homem vai poder ser o líder desse grupo de trabalho, ou se é grupo de afinidade, ou desse esforço — qualquer que seja o nome. Como o Allan, que está aqui com a gente, para mim foi uma coisa natural nessas minhas falas sobre diversidade e inclusão com os grupos, com as linhas de serviço, com os negócios. Eu tive um depoimento muito legal de um homem, um gerente sênior nosso que se tornou o líder do grupo, que ele expôs ali a questão de ter passado um pouco por depressão na pandemia. Como ele se deu conta de que ele e muitos dos seus amigos não estavam preparados para muitas conversas e como ele fez o caminho individual dele de ir atrás desses movimentos que existem lá fora, de conversar sobre as masculinidades, de se entender.
E daí quando vi isso, falei que não podia perder a oportunidade. Essa era a pessoa que eu estava esperando para poder ajudar. Então com isso, a gente identificou o líder, né? E contei essa história, que às vezes não vem tão natural, mas acho que é fundamental escolher para liderar alguém que realmente tem uma conexão pessoal e que esteja nessa jornada, como o Allan mesmo, que contou para a gente e tem feito a jornada dele.
E daí o que a gente fez foi, na verdade, o lançamento oficial — oficial mesmo vai ser na semana que vem na nossa DEI Week. Mas já fizemos uma prévia com alguns homens. Então, assim, eu acho que essa é uma tática: em vez de você ir de cara para todo mundo, vamos convidar alguns que já falam 'eu topo, eu estou dentro'. Então já tenho um grupo de dez homens que falaram 'estamos dentro, estamos fazendo'. A gente tem a felicidade hoje de ter uma equipe, uma pessoa que até fica na Argentina, que foi consultor e que dava muitos workshops de masculinidades. Então a gente vai começar o lançamento na semana que vem com o workshop sobre masculinidades e o papel do homem realmente nessa jornada.
Eu acho que é isso sim, tem que ter uma coisa política. A gente também conversou com a Unilever, como alguns desses sponsors do grupo de trabalho, participantes de alta liderança, porque se você não quer vir só por amor, quer vir eventualmente para aparecer. A gente é meio pragmático: a razão pela qual você começa a conversa, a gente não liga; o importante é começar a conversa e, obviamente, avançar nessa conversa, se aprofundar na conversa. Então tem sido assim, Margareth.
Acho que é uma orquestração e um cuidado muito grande, como a gente realmente posiciona esse grupo como um aliado nessa questão da equidade, igualdade de gênero, né? Não é um grupo de homens assim: 'Ah, então agora tem as mulheres, os negros, as pessoas com deficiência, então precisamos de um grupo de homens brancos, héteros, de bom nível socioeconômico para defender nossa pauta, porque estamos ficando sem chance'. Não é sobre isso.
É sobre realmente os homens entenderem o seu papel, porque as relações ficam desiguais, o que afeta a eles mesmos. Então acho que esse é um cuidado muito grande e não é fácil porque até o nome do grupo, a gente ainda não bateu o martelo, tá? Porque a cada nome que a gente fala, cada um interpreta o nome de um jeito e daí fica aquela maior discussão: 'Não, mas isso vai gerar isso, isso vai gerar aquilo'. Então não, não são fáceis, mas eu espero em breve contar aí como está sendo realmente a implementação.
Margareth Goldenberg
Muito legal, trio. Estou aqui pensando que a gente podia fazer um grupo de homens das empresas, como Unilever, PepsiCo, da EY, que já estão envolvidos, para serem mobilizadores de outros homens do segmento corporativo. Meio que fazer um round show, né?
Adriana Carvalho
Eu acho que assim é tipo ter um Mark do Movimento Mulher 360. Pode ajudar.
Margareth Goldenberg
Seria uma boa, porque esse é um desafio muito grande e a gente tem que encontrar caminhos para abrir essas portas, como o Allan falou e você também. Não importa qual porta, né, vai abrir. Outro dia, uma pessoa numa palestra que eu dei, falou que eu pareço uma hacker do sistema, do mundo corporativo. Mais ou menos isso, você vai encontrar os caminhos, né? Não precisa exatamente ser assim de tal forma, né? Mas a gente precisa encontrar caminhos e talvez vocês sejam, tenham aí muitos profissionais que possam mobilizar outros.
Adriana Carvalho
Pode contar aqui que a gente pode montar o grupo He for She aqui. Tenho certeza que a Luana, a Leila e o Allan vão gostar.
Margareth Goldenberg
Muito bom, Leila. E aí, uma palavrinha final sua... A gente tem sempre uma audiência de muitas empresas, às vezes pequenas, médias ou mesmo grandes, mas que ainda estão no início da jornada e ouvem os nossos podcasts para se inspirarem em caminhos para seguir.
Se você pudesse dar um caminho ou uma ação que você acha especial para iniciar esse engajamento dos homens da organização na temática de equidade e diversidade, principalmente homens brancos, héteros, como a Dri falou que não cabem em nenhuma dessas caixinhas, né? Qual seria a sua dica por onde começar?
Leila Santos
Ótimo, Margareth. Primeiro, o que eu quero dizer é que, se realmente der certo, a gente já tem aí o Allan como alguém que vai ser um promissor líder desse grupo sobre o qual a gente está falando. Essa energia toda dele aqui, anotei um monte de coisa que ele foi falando. Mas com relação à sua pergunta, Margareth, fiquei pensando assim nos programas que a gente tem, mas até na nossa conversa toda, para mim o que fica muito claro é que é fundamental ter uma liderança envolvida que apoie isso tudo, e também pessoas que estejam culturalmente envolvidas, que estejam juntas nesse propósito.
Porque de tudo que a gente falou, foi sempre sobre mudança cultural, sobre essa ressignificação, né? Então eu acho que ter pessoas, tanto homens quanto mulheres, todas as pessoas que estão envolvidas nesse tema, e que a gente possa falar, ter muito espaço, ambiente seguro para falar sobre esse tema e deixar as pessoas expressarem a sua opinião sem medo, é fundamental.
E poder falar sobre viés, sobre preconceitos, e assumir que estamos nessa desconstrução é muito importante. Então acho que a dica fundamental é mesmo que a gente tenha esses espaços de conscientização, de reflexão, e acho que com isso, qualquer programa que a empresa tiver vai ser muito bem-sucedido, porque vai ser tanto para dentro quanto para fora, 'Walk the talk', e a coisa funcione muito mais forte dessa maneira.
Margareth Goldenberg
Muito bom. Obrigado, Leila.
Luana, poderia deixar uma mensagem final inspiradora também para estimular as pessoas? É um caminho possível, porque às vezes dá a impressão de que é tão complexo que a gente paralisa. As pessoas nem iniciam, né? Como envolver a todos, como trazer os homens para essa conversa como aliados, as lideranças?
Luana Suzina
Vou dizer uma coisa que pode parecer meio piegas, mas é a gente acreditar. E por acreditar, levantar a possibilidade de alguém ter interesse em discutir essas pautas. A gente vai perceber que tem várias pessoas que estavam em silêncio ou silenciadas, que tinham interesse de falar sobre esses temas, que vivem, que sofrem com esses estereótipos. E que vão se sentir acolhidas e vão levantar a mão nessa hora. Então, abrir esse caminho, ter essa possibilidade, ter a coragem na esperança de que alguém vai levantar a mão e vai dizer 'topo, eu tenho alguma coisa para falar'. Eu acho que é o primeiro caminho, porque aí vai vir voluntariamente. Acho que é uma conversa que precisa vir voluntariamente, precisa vir do coração mesmo.
Margareth Goldenberg
Muito bom. Allan, deixa a sua palavrinha final aqui de estímulo aí para quem está nos ouvindo, por favor.
Allan Fernandes
Tem duas coisinhas que eu queria falar. Uma é uma frase de Exu de que o mal está, o bem está e é. O bem é, jamais vai ser mal. Então o bem é o bem, na verdade isso é potente. Não tem como você bater o bem, ele está em todo canto. Então esse é o ponto. E a segunda coisa é que a primeira coisa que a gente pensa é 'Ah, fazer um grupo é buscar referência fora, palestrante, instituto'. Acho que a grande dica, pelo menos funcionou para mim, é olhar dentro. Das agendas de diversidade e inclusão, da agenda cultural da empresa, tem algum homem que vai? Tem! Pronto, você já tem o norte. Você pode puxar: 'meu Vini, você tá indo lá. Vamos trocar uma ideia'. Você já tem norte, já tem gente que está topando, coisa muito maravilhosa que está do seu ladinho, então tem terreno fértil. Está ali. Acho que é por aí, começa olhando para dentro. Não tem segredo, não.
Margareth Goldenberg
E aqui encerramos mais um episódio do MM360Cast. Esperamos ter compartilhado conhecimento relevante e práticas inspiradoras para transformar seu ambiente de trabalho em um local inclusivo e com oportunidades para todas e todos. Queremos que cada vez mais pessoas e empresas se sintam incentivadas a promover a equidade de gênero.
Seria muito bacana ouvir sua opinião. Mande sua mensagem nos nossos canais nas redes sociais ou pelo e-mail contato@movimentomulher360.com.br e compartilhe com seus amigos e amigas. Obrigada por nos acompanhar nessa jornada.
Trilha sonora