Flavia Barone de Oliveira
Ser mulher na Engenharia
Ser mulher no mercado de trabalho tem desafios extras que a maioria de nós conhece bem, mesmo estando em ambientes que contam com uma boa parcela de mulheres. Alguns desses desafios podem ser mais ou menos latentes, como aquele julgamento disfarçado quando você diz que precisa sair para levar seu filho ao médico; ou quando te perguntam se pretende ter filhos em uma entrevista de emprego; ou quando você precisa se esforçar duas vezes mais para conseguir ser cogitada para uma promoção; ou quando aquele olhar desce pro seu colo quando está falando com um par.
Agora imagine tudo isso, porém num ambiente em que você é a única, ou uma das poucas mulheres na sala, ou no departamento inteiro. Imaginou? Pois algumas mulheres têm isso como rotina diária: somos nós, profissionais de engenharia e tecnologia.
Somados aos desafios diários de ser mulher no mercado de trabalho, ainda enfrentamos um sentimento de solidão e, muitas vezes, de não pertencimento àquele espaço. Sentimos que precisamos nos adaptar, nos moldar ao modelo que está posto. Durante décadas, tivemos que falar mais grosso e bater a mão na mesa, senão nossa voz jamais seria ouvida e nossa carreira nunca decolaria. E tudo isso tendo que se provar duas vezes, conferir os cálculos diversas vezes, pois sabíamos que eles nunca seriam simplesmente aceitos e confiados por terceiros sem checagem.
Mas para além do que o meio nos submete, tem mais uma coisa que conecta a todas nós engenheiras: aquele peso, sabe? Aquela mochila pesada nas costas que a gente às vezes nem percebe: o medo de errar. Eu não falo do medo de punição, isso é fácil de lidar. Me refiro ao medo de errar e seu erro ser atribuído ao seu gênero pelos outros.
Afinal, “tinha que ser a única mulher do departamento que cometeu o erro” e, de repente, todas as mulheres engenheiras levarem uma culpa que era pra ser só sua. E agora, todos vão achar que mulher não sabe ser engenheira por sua culpa. Sua culpa. Agora mais nenhuma mulher vai ser contratada por sua culpa. Sua culpa. E você continuará sozinha, por sua culpa. E a bola de neve piora…. Calma! Respira! Quem de nós nunca passou por uma sequência de pensamentos como esse? Às vezes isso ocorre apenas em nossa cabeça, porém é fruto de décadas e décadas ouvindo ‘engenharia não é lugar de mulher’, ‘mulher não é boa em matemática’, e por aí vai.
Carregar o peso de ser uma das únicas num espaço qualquer pode ser muito cruel e, inclusive, atrapalhar no desempenho de um profissional. Isso vale para mulheres, mas também para outros grupos minorizados, seja na engenharia, seja em posições de liderança, seja em qualquer local de trabalho.
Trago esse relato pessoal, pois, mesmo sendo uma engenheira jovem que trabalha na área desde 2013, esses pensamentos auto sabotadores já passaram pela minha cabeça diversas e diversas vezes, principalmente no início de minha carreira. Eu tinha medo de dar minha opinião nas reuniões ou de tomar decisões que pudessem levar a erros, e os erros serem associados ao fato de eu ser mulher. Eu amava o espírito criativo e investigador de todos os engenheiros naquele ambiente, desenvolvendo novos produtos, aplicando engenharia de ponta bem ali, diante dos meus olhos. Tudo aquilo me deslumbrava. Mas tinha algo que me segurava, eu só não sabia o que.
Após alguns anos, sendo introduzida ao tema de diversidade e inclusão, vendo algumas (poucas) mulheres alcançando posições de liderança, finalmente descobri o que me atrapalhava: era o fato de estar sozinha, podendo contar nos dedos quantas mulheres engenheiras trabalhavam ali. É isso! Finalmente sabia o motivo. Pode parecer óbvio pra quem vê de fora, mas chegar nessa conclusão não foi tarefa fácil, e exigiu alguns anos de conscientização sobre o tema, que a própria empresa me propiciou. E isso contou muito, essa intencionalidade da companhia e da liderança em identificar os próprios pontos cegos e começar a atuar para mudar, de dentro para fora.
Eu, agora com as ferramentas que precisava, saí em busca de formas de também ajudar a empresa a promover essa transformação que tanto ela, quanto nós, mulheres, precisávamos. E nesse caminho, descobri a SWE (Society of Women Engineers), a Sociedade de Mulheres Engenheiras, uma organização internacional sem fins lucrativos, fundada nos Estados Unidos na década de 50, que desde então busca atrair e desenvolver mulheres nas carreiras de engenharia e tecnologia.
Conhecer a SWE foi uma grata surpresa, permitindo me conectar com diversas outras engenheiras do Brasil e do mundo. Mais do que isso, me fez não me sentir mais sozinha e me deu um propósito: fazer com que cada vez mais meninas sejam estimuladas a descobrir as maravilhas da engenharia, descobrindo um universo cheio de magia e encantamento. Por meio da SWE, levamos atividades lúdicas para meninas em escolinhas, apresentando a profissão em forma de brincadeiras. Também nos encontramos com adolescentes e contamos nossas histórias, apresentando um pouco de nossas profissões, para que elas também saibam que engenharia é para elas, sim!
E para nós, que já escolhemos a profissão, nosso grande objetivo é aumentar nossa rede de apoio entre estudantes e profissionais formadas, conectar empresas e universidades e desenvolver nossas membras para alavancarem suas carreiras, seja no caminho técnico ou de liderança.
Fazer parte da SWE mudou a forma como eu encaro minha profissão e a mim mesma, me fortalecendo e me fazendo ter certeza da excelente profissional que eu sou. Errar faz parte do caminho, nos dá espaço para inovar e avançar rumo à fronteira do conhecimento. Demorou algum tempo, mas agora eu sei. E é tão bom poder engenheirar sem medo.