Alessandra Bernardes
Que grande absurdo é esse?
Onde já se viu termos que explicar que “não”, uma palavra com significado tão óbvio, claro e materializado, é o que é?
Absurdo que essa explicação se faz necessária devido a voz de quem a pronuncia. E aqui começa o X da questão deste artigo. O que significa o “não” dito por uma mulher, e o que significa o “não” dito por um homem.
Analisemos com cuidado, como se fosse necessário, a palavra PARE. Restaria alguma dúvida, desentendimento ou necessidade de explicação para PARE?
Não seria um absurdo incompreensível termos que fazer uma campanha publicitária para educar uma sociedade sobre o significado do PARE?
Até posso imaginar algumas falas, comerciais e outdoors dizendo assim:
PARE significa não dê mais nenhum passo nessa direção, caso contrário você cairá no precipício.
PARE significa não se mova, caso contrário você levará um tiro.
PARE significa quando o sinal de trânsito está no vermelho que seu carro não deve se movimentar. Espere o sinal verde para prosseguir.
Usemos essa mesma analogia para sim, corra, segure, sangue, frio, quente, e tantas outras palavras incontestavelmente entendidas intuitivamente sem necessidade de nenhuma explicação, independente de quem as pronuncia.
Então, paremos para pensar, e nos assombrar. Por que precisamos de uma campanha em nível nacional, massificada, veiculada em todos os meios de comunicação? Por que precisamos de ícones nacionais, marchinhas de carnaval, camisetas estampadas, outdoors, tv, rádio, mídias sociais etc…etc… para explicar que quando uma mulher diz não, o significado disso é categórico?
Ter que explicar o óbvio, o indubitável, o incontestável não é um absurdo?
Ter que explicar que quando uma mulher diz “não” significa “não” é admitir publicamente que quando uma mulher fala, o significado, a mensagem, o objetivo da comunicação são ignorados e subjugados. Que absurdo é esse, senhoras e senhores?
Importante extrapolarmos a questão e concluirmos que, se para o entendimento de um simples não, temos, nós mulheres, que nos esforçarmos a esse ponto, pensemos e realizemos o esforço que estamos fazendo para que nossas ideias, mensagens e qualquer ordem de comunicação seja respeitada, entendida e considerada. Não entrarei aqui no mérito do contexto da “aceitação”, essa esfera abre uma discussão ainda mais profunda.
Essa questão, a voz da mulher, um dos marcos para a criação da psicanálise, foi objeto de estudo para Freud e Breuer há décadas. Movimento esse que permitiu transformar a voz antes silenciada em “grito”. Mais de 70 anos depois ainda são necessários “gritos”, e esses gritos são ainda vistos como histerias. Mesmo que esses tenham se transformado em “falas livres”, essas ainda precisam de tradução, reforço de significado e campanhas nacionais para ganhar sentido. Um absurdo aterrador.