Foto posada de Mariana Covre. Ela é uma mulher branca com cabelos levemente ondulados e compridos, está maquiada, usa uma blusa vermelha de mangas longas e sorri.

Mariana Covre

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Advogada especialista em Compliance de Gênero e Ambientes Regulados.

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Lei de igualdade salarial e a mulher no ambiente de trabalho

14 julho 2023

Somente na década de 60, no Brasil, nós mulheres saímos de casa para trabalhar sem a autorização do marido, por conta do que o legislador ousou chamar de “Estatuto da Mulher Casada”. Hoje, constituímos mais de 44% da força de trabalho brasileira. Somos maioria da população e também do eleitorado.

Isso significa que temos os nossos direitos plena e igualmente garantidos porque somos numericamente maioria? Não. Somos parcela dos grupos minoritários justamente porque ainda compomos as estatísticas que historicamente lideram os índices, por exemplo, de violência, tanto nos ambientes domésticos, familiares, como nos espaços de trabalho.

Uma realidade invisibilizada e mulheres vulnerabilizadas por décadas. O que a ONU chama de “pandemia invisível”. Uma questão emergencial!

Há quase duas décadas, o esforço foi fazer refletir em legislação própria a violência marginalizada que a mulher sofria dentro de casa, nas suas relações afetivas. Adveio a especializada Lei Maria da Penha, seguida de tantas outras que carregam em sua titulação histórias de violência de gênero que se repetem.

Afinal, “nascer mulher tem definido a vida e a existência social do gênero feminino”*. Somente pelo fato de sermos mulheres já estamos submetidas à algum tipo de violência no decorrer da vida.

A ascensão e vigência de leis de proteção e defesa da mulher frente a esse cenário são avanços, mas como todo ato de poder meramente normativo não têm eficácia por si só e os órgãos de defesa conseguiram enxergar que a lei especializada de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica não era suficiente para impulsionar os registros das denúncias que só cresciam. Era preciso pensar condições de desinserção das mulheres daquele ambiente de vulnerabilidade. Ampliar a oferta de oportunidades de ingresso e manutenção no mercado de trabalho, entregando carreira e resgatando autoestima, são condições reais de estímulo à denúncia contra o marido ou companheiro agressor, possibilitando, na sequência, deixar o ambiente de vulnerabilidade – o lar – com garantia de subsistência sua e dos filhos.

Assim, as mulheres se fazem cada vez mais presentes nos espaços públicos e privados, no próprio mercado de trabalho. Mas, ao alcançarem esses espaços se deparam com mais violência. Por exemplo, o assédio sexual que alcança três vezes mais mulheres que homens no ambiente de trabalho.

A violência perpetrada durante toda a vida só pelo fato de nascer mulher foi ganhando proporções numérico-estatísticas que a sociedade precisou refletir a “zona de conforto” patriarcal e descortinar a invisibilidade dada ao assédio nas organizações, públicas e privadas. Estão nascendo as leis que tratam do assédio nas organizações.

Agora alcançamos no Brasil a lei da igualdade salarial. Advém reafirmando o direito à igualdade posto desde 1988 na Constituição Federal, e garantindo o cumprimento da equidade salarial e de critérios remuneratórios das mulheres e homens, o que já era expressamente previsto na CLT.

Um reforço que se apresenta como um alento!

Afinal, as estatísticas nos anunciam que levaremos quase 300 anos para alcançarmos a igualdade plena de condições entre pessoas que se diferenciam apenas por gênero mas não por direitos.

A tão esperada lei de “igualdade salarial” inova no ponto em que coloca o legislador como um refletor das condições sociais, estruturais e até culturais entranhadas no problema da desigualdade e discriminação salarial. As chamadas “causas-raízes” do problema. Entendeu-se que a diferença salarial não se trata apenas de uma assimetria numérica no contracheque, mas sim de como estão postas as condições para exercer em pé de igualdade as atividades profissionais no mercado de trabalho.

A lei é primorosa ao prever o fomento à capacitação e formação de mulheres não somente para impulsioná-las para o ingresso no mercado de trabalho, mas também para auxiliá-las a permanecer e ascender na carreira em condições de igualdade.

O poder público passa a se implicar quando faz figurar no texto da lei a obrigação de monitorar os dados de desigualdade salarial no Brasil, com previsão de indicadores que refletem as condições de trabalho que as mulheres precisam ter para exercer de forma justa e igualitária suas carreiras, como acesso à formação técnica e superior, saúde, prevenção à violência de gênero e informações sobre vagas em escolas para seus filhos.

A lei apresenta-se como a expressão idealizada de políticas públicas voltadas para uma real pauta de proteção das mulheres no Brasil.

Traz, ainda, incentivo às denúncias de discriminação, entendendo que para que elas ocorram efetivamente o acesso à informação e capacitação são fundamentais, prevendo treinamentos não somente para as empregadas, mas também envolvendo lideranças e gestores.

Há um incremento à fiscalização contra a discriminação salarial com a exigência de transparência de dados salariais e reforço de medida punitiva para o caso de descumprimento, que pode chegar a até três por cento da folha de salários do empregador.

Assim, a emergência invisível segue sendo descortinada, pouco a pouco, passo a passo, com seu curso como um caminho sem volta.

Vamos fazê-la cumprir!

*GUSMAN, Nadine, representante da ONU Mulheres no Brasil.

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