Renato Souza
Homem: a fragilidade dentro do poder
O que a sociedade pode esperar de nós? Essa é a pergunta que me faço sempre que percebo a dificuldade que nós, homens, temos de pensar sobre nossa própria existência e, principalmente, sobre os impactos gerados por comportamentos profundamente arraigados em uma construção histórica e sistematizada com elementos essencialmente machistas.
Em pesquisa recente, divulgada na edição de maio de 2022 da revista GQ e conduzida pelo Instituto Ideia, o masculino ainda se mostra frágil – e muito frágil. A começar pela quantidade de homens que preferem não chorar (sim, isso ainda é uma questão), como se o ato catártico ou sensível do choro fosse sinônimo de fraqueza. Por outro lado, os resultados mostraram certo avanço na compreensão de alguns fatores importantes, como um baixo incômodo dos homens em ganhar menos do que uma mulher ou a alta disposição em usar uma camisa rosa, por exemplo.
Já na pauta dos costumes, o estudo escancara as contradições desse universo masculino: é alarmante o peso dado pelos homens (até mesmo os que compõem as gerações mais novas) quando o assunto é a virgindade das mulheres antes do casamento. Seguindo nessa pauta, o preconceito com a orientação homoafetiva aparece para compor esse balaio de fragilidades: mais da metade dos entrevistados afirmam que ao se vestirem para determinada ocasião se preocupam em não parecerem gays. Além disso, uma grande parcela ainda se incomoda em ter que dividir um quarto com um homem com uma orientação sexual diferente da dele.
Quando o assunto migrou para a saúde, seja ela física ou mental, chamou a atenção o número baixíssimo de homens que buscam apoio em terapia, mesmo que a grande maioria tenha sinalizado em suas respostas questões emocionais como estresse, pânico e depressão.
E nesse contexto caótico do mundo masculino, permeado de fragilidades, as conexões com os ambientes corporativos são inevitáveis e os efeitos devastadores aparecem. E digo devastadores porque ainda hoje temos as empresas comandadas em sua grande maioria por homens, tendo eles o poder sobre as principais decisões que afetam o coletivo. Decisões essas que partem do centro existencial individual de cada um, banhado por todas essas inseguranças do masculino.
Dizer, no entanto, que quem manda pode estar doente seria individualizar e simplificar demais uma questão complexa e de difícil solução, mas é sabido que a grande parte dos centros de poder das organizações, a forma com a qual pensam seus negócios e a maneira como constroem as relações humanas passam, necessariamente, pelo crivo de quem está no comando.
Não tenho receio de afirmar que a partir dos dados do estudo tive ainda mais certeza de que vivemos em um sistema que respira por aparelhos. Um sistema moldado pela cultura machista, que ainda reproduz as crenças de superioridade de gênero e que apresenta dificuldades de pensar privilégios a partir da masculinidade. Um sistema que se debate em torno da utópica meritocracia, mas que ainda delega às mulheres o papel do cuidar, ao mesmo tempo em que elenca as mães como as mulheres mais admiradas em suas vidas como homens – muito mais admiradas quando comparadas às esposas.
Daniel Welzer-Lang, sociólogo, professor e escritor francês, descreve em um dos seus artigos que a construção do que entendemos como masculino, do que é ser um verdadeiro homem, está toda orientada na eliminação daquilo que associa o masculino ao feminino. Segundo o professor, nesse processo de se tornar um homem, um “homem de verdade”, a sociedade espera o distanciamento das formas de existir, culminando em um refutamento de qualquer comportamento que se entenda como feminino de quem pretende ser esse homem.
Os avanços na agenda de equidade de gênero nas organizações são importantes e reais conquistas, apesar dos desafios ainda muito presentes, em especial quando o tema aborda a velocidade de ascensão das carreiras, o debate em torno da parentalidade, as diferenças salariais e, claro, a importância em se racializar o debate e compreender as diferentes barreiras impostas para as diferentes pessoas.
Porém, essa agenda precisa do envolvimento de todos(as) e nós, homens, temos o dever de nos colocarmos não só como parte do problema, mas em especial da solução. Precisamos compreender que essa masculinidade frágil é também tóxica (e aqui não uso o termo masculinidade com todo o seu arcabouço acadêmico e sua complexidade, mas para me referir a nós, homens, nossos comportamentos, crenças e padrões).
Respondendo à minha pergunta do começo, posso dizer que ainda não sei a resposta mais satisfatória, mas garanto que se faz urgente entender que a forma como nós insistimos em existir, dificulta o processo para que as transformações necessárias no campo da equidade de gênero nas organizações avancem na velocidade em que se espera e se necessita.